Numa clara alusão à frase que celebrizou – “Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas” -, Cavaco Silva respondeu com humor às perguntas sobre se o seu regresso à vida política activa estaria para breve. “Neste momento ainda não sei. Não sei se me estimula voltar à política activa. Como sabem eu tenho evitado responder a essa questão, o que sugere que eu às vezes também tenho dúvidas”, declarou.

Na conversa com os jornalistas depois da conferência “Portugal: a caminho da convergência?”, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, que decorreu ontem, quarta-feira, Cavaco Silva não colocou de lado a hipótese de uma candidatura às presidenciais, mas também não a quis confirmar. O ex-primeiro-ministro português preferiu salientar que “o ambiente é favorável à mudança” e que é preciso fazer já as reformas necessárias para que Portugal se volte a aproximar da União Europeia: “É preciso ser feito o que deve ser feito”.

Diagnóstico negro

Durante a apresentação dirigida aos alunos da FEP, Cavaco traçou um quadro negro da situação económica do país, expressando a sua preocupação face ao “problema sério de divergência” que Portugal atravessa, e identificou os principais entraves ao desenvolvimento do país: a crise das finanças públicas, o endividamento e, principalmente, a perda de competitividade. “Nos últimos dez anos Portugal perdeu 11% de quota no mercado externo e foi o único país europeu cujo peso das exportações diminuiu”, explicou o economista, reiterando que “alterar esta situação não será fácil, principalmente devido à concorrência asiática a ao elevado grau de concentração das nossas exportações”.

Convergência com o PS

Durante toda a palestra, foi claro que as ideias de Cavaco coincidem em larga medida com as do Programa do Governo de Sócrates. As soluções que apresentou para o país vão, em muitos pontos, de encontro ao que o programa do Governo PS apresenta, principalmente as apostas na qualificação e educação, na ciência e tecnologia, e no mercado espanhol.

Embora reconheça que “não há nenhum economista que consiga apontar qual a solução ideal para os problemas da nossa economia”, Cavaco apontou algumas medidas que julga urgentes, nomeadamente o incentivo às pequenas e médias empresas para se virarem para o mercado externo, a reorientação do investimento e melhor afectação dos recursos públicos, e a aposta no “upgrade” tecnológico das empresas já existentes.

Sobre esta última medida, Cavaco acha preferível apostar na melhoria tecnológica das “boas empresas que já existem”, isto porque lhe “parece irrealista passar de um momento para o outro das indústrias tradicionais para as de grande tecnologia”, explicou. Foi esta a maior dissonância em relação às propostas políticas do governo socialista, que faz da aposta nas empresas tecnológicas uma trave mestra do chamado plano tecnológico. Mesmo assim, Cavaco afirmou estar “satisfeito por o discurso do actual Governo não ser muito diferente daquele que eu tenho vindo a fazer desde 1999”.

“É este o momento chave”

“Nos próximos quinze anos, ou vamos estar no pelotão da frente, ou vamos estar cá trás, na cauda da Europa: é este o momento chave”, frisou Cavaco Silva, lembrando que “dificilmente vamos conseguir crescer de forma sustentada se não houver grande rigor nas contas públicas” e que a grande prioridade deve ser a “dinamização do sector exportador”.

Miguel Conde Coutinho