A PSP afirma haver menos "ocorrências", mas fumar um charro no recinto da Queima parecer ser cada vez mais normal.

Berlaite, cacete, charuto, chocolate ou ganza são alguns dos nomes pelos quais um charro também é conhecido. Todos sabem o que é, embora, obviamente, nem todos queiram experimentar.

Durante a Queima deste ano, e até ontem, quinta-feira, a polícia registou menos ocorrências por consumo e posse de estupefacientes que nos anos anteriores, “com o mesmo número de agentes espalhados no recinto”, disse ao JPN o responsável pela segurança na Queima, o subcomissário Marco Teixeira, da PSP.

Fumar um charro parece estar a tornar-se mais normal

Mas a avaliar pelo cheiro forte e adocicado característico do haxixe que se sente frequentemente à medida que se vai caminhando pelo Queimódromo, fumar um charro parece estar a tornar-se mais normal e menos constrangedor. Não só para quem fuma – agora com muito mais à vontade para o fazer no meio da multidão – como também para quem não o quer fazer. “Eu nunca experimentei nem quero experimentar, mas não me incomoda nada que os outros o façam aqui no meio de toda a gente”, explica a frequentadora assídua do Queimódromo Paula Silva, queixando-se apenas do cheiro forte do fumo.

Miguel Santos também nunca experimentou porque, diz, não precisa desses “aditivos” para se divertir. E acusa: “Agora muita gente fuma, mas penso que às vezes é mais uma questão de afirmação”. Mas este aluno de Engenharia não tem nada contra: “se querem fumar que fumem, a mim não me aborrece nada, o problema é deles”.

Não será muito arriscado dizer que já ninguém se escandaliza por ver alguém a consumir haxixe. Nas conversas que o JPN foi tendo ao longo da noite no Queimódromo, não houve ninguém que se tivesse mostrado incomodado com o facto de se poder observar, um pouco por todo o recinto, os tais grupinhos de consumidores de olhos raiados e sorriso nos lábios, a passar descontraídamente um charro de uns para os outros.

O ritual de fumar um charro

O ritual é sempre o mesmo, como nos explicou um deles, que preferiu manter o anonimato. Talvez a pergunta “o que é que sentes?”, tantas vezes achincalhada como ridícula, não venha aqui a desproprósito. “Faz-me sentir bem, descontraído, completamente relaxado.” Mas porque é que fumas? Ele responde: “Porque é que os outros bebem?”.

Mesmo ao lado deste, outro grupo preparava-se para (re)iniciar o cerimonial. “É mesmo um ritual, mandamos uns ‘bitaites’, rimos, enquanto esperamos para fumar”, diz um deles, anónimo, com voz arrastada e olhos vermelhos. “Ficamos todos no mesmo comprimento de onda”, diz descontraído, enquanto segura numa mortalha.

A sensação de relaxamento e descontracção, referida também por outra consumidora de haxixe que falou com o JPN, advém principalmente da mistura entre euforia e sonolência, que o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) enumera como os efeitos psicológicos mais imediatos do consumo de haxixe. “Com o álcool, se se beber muito, só se acaba por fazer asneiras. Com isto ficamos muito calmos, não há problema nenhum”, afirma a jovem estudante que não quis revelar o seu nome. Medo da polícia, não há. Conseguiram passar incólumes pela revista à entrada do recinto. “A quantidade que nós temos aqui é muito pouca”, continua. “Além disso, já começa a ser aceite culturalmente. É normal, toda a gente fuma [charros]”.

Aceitação cultural do acto de fumar um charro

Apesar disto, por muito que estes consumidores, sejam eles ocasionais ou regulares, falem da cada vez maior aceitação cultural do acto de fumar um charro, nenhum, entre os que falaram ao JPN, acedeu a dar o seu nome. O presidente do IDT, João Goulão, já reconheceu, em entrevista ao Diário de Notícias (05/05/2005), ser “necessário começar a pensar que o haxixe também já está incorporado na nossa cultura”.

Mas por enquanto, fica o aviso: o responsável pela equipa da PSP encarregue da segurança no recinto da Queima assegura que “[consumir estupefacientes] é uma conduta que é punível a título contra-ordenacional e a polícia vai registar, autuar e encaminhar para as entidades competentes. No caso da quantidade de estupefacientes ser superior àquela normalmente utilizada para consumo, com certeza que serão formalizadas as detenções necessárias”, afirmou o subcomissário Marco Teixeira ao JPN.