Quando Manuel Dias entrou para a redação do “Jornal de Notícias” (JN), no dia 23 de abril de 1974, não imaginava que, apenas dois dias depois, estaria a cobrir a “Revolução dos Cravos” na cidade do Porto.

A receção da notícia da ação levada a cabo pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) na madrugada do 25 de abril não foi recebida com espanto por Manuel Dias, nem pelas redações dos jornais. De acordo com o jornalista, “já se estava à espera de alguma coisa”. O mesmo é confirmado por Germano Silva, também jornalista do JN na altura.

“Quando se deu o 25 de abril, já se suspeitava, nas redações dos jornais, que a revolução estava para breve. Havia rumores de que se preparava um golpe de Estado, que os capitães estavam descontentes, que no exército as coisas não estavam a correr muito bem. Desse descontentamento poderia haver um levantamento militar, como aconteceu”, revela Germano Silva.

Apesar de já terem passado 38 anos, os jornalistas ainda se recordam perfeitamente do momento em que se aperceberam que algo se estava a passar. “Lembro-me que, na véspera do 25 de abril, à noite, eu e um grupo de jornalistas da redação do ‘Jornal de Notícias’ saímos, passava já da meia-noite, para irmos comer qualquer coisa num restaurante perto da Lapa. Ao passar nas traseiras do quartel-general vimos uma movimentação de militares e pensámos: ‘É hoje, é agora!'”, conta Germano.

Manuel Dias, por sua vez, recorda que só se apercebeu de que algo se passava na manhã do dia 25 de abril. “Por volta das 09h00 passei pela porta do ‘Diário Popular’, na rua 31 de Janeiro, e à porta estava um repórter fotográfico que tinha trabalhado comigo no ‘Diário Norte’. Estranhei vê-lo àquela hora na rua e perguntei-lhe o que andava a fazer. Ele disse-me que estava ali por causa da revolução. Fiquei atónito porque da rua da Constituição até à praça da Liberdade não tinha vislumbrado o mais pequeno indício de que algo de anormal se estivesse a passar. A minha surpresa foi enorme”, confessa.

“Trabalhámos durante, pelo menos, dois dias e duas noites sem ir à cama”

Depois de se aperceberem do que se estava a passar naquele que seria o “Dia da Liberdade” em Portugal, Germano Silva e Manuel Dias começaram a acompanhar os acontecimentos na cidade do Porto.

“Quando chegámos ao jornal, começaram a aparecer os comunicados na rádio e na televisão e o chefe de redação reuniu toda a gente que estava ali, chamou muitos dos jornalistas que já tinham saído e estabeleceu-se um plano de trabalho. Uns foram acompanhar aquilo que se estava a passar no quartel-general, outros foram para o Monte da Virgem, para ver o que se estava a passar com a televisão, e outros foram para o aeroporto, para ver se estava fechado. Eu fui para a avenida dos Aliados ver o que se estava a passar no centro da cidade. Estive lá até de madrugada. Houve ainda quem ficasse na redação a acompanhar os acontecimentos”, enumera Germano.

À chegada à avenida dos Aliados, o jornalista conta que o sentimento que encontrou “era ainda de receio, sobretudo daqueles cidadãos mais envolvidos, que acompanhavam mais a situação política”. “Havia receio que fosse um golpe de direita e que se mantivesse tudo como até ali, mas com outras pessoas. Contudo, a partir do meio da manhã, começaram a ser conhecidos todos os contornos da revolução e as pessoas ficaram aliviadas. Afinal era um golpe militar para repor a democracia. O ambiente era de alguma euforia”, diz. Com o que viu e com os depoimentos recolhidos na avenida principal da cidade, Germano Silva fez uma reportagem sobre o ambiente que se viveu no Porto. “Falei com algumas pessoas e com militares, já que estavam dois tanques na praça. Não me recordo do que é que as pessoas diziam, mas foram testemunhos de alegria e de entusiasmo”, conta Germano.

Manuel Dias foi um dos elementos que ficou na redação. O jornalista revela que o ambiente vivido era “muito agitado, muito frenético. Não era um ambiente tão mortiço como era habitual. Sentia-se que se estava a viver algo de novo”. A redação mantinha constantemente contacto com Lisboa, via telefone, de modo a conseguir obter alguma informação enviada pelos jornalistas que faziam o acompanhamento na capital.

A informação que os jornais queriam passar à população era tanta que, de acordo com Germano Silva, houve a necessidade de se fazerem “sucessivas edições: uma ao meio-dia e outra às três da tarde”, o que fez com que a equipa trabalhasse “durante, pelo menos, dois dias e duas noites sem ir à cama e sem refeições”. Apesar das privações, Germano afirma que “foi um trabalho muito gratificante porque foi um trabalho da libertação”.

O fim da censura

No tempo de ditadura, o jornalismo aprendeu a conviver com a censura. “Os jornalistas tiveram de aprender a jogar com metáforas e a contornar os obstáculos através de imagens que se iam criando. Deixávamos na prosa os ingredientes suficientes para que o leitores percebessem as mensagens. Os jornalistas tentavam ludibriar a censura porque os homens da censura eram ‘broncos’. Quando suspeitavam que determinada palavra poderia ter outro sentido, cortavam e acabou”, afirma Manuel Dias.

Os anos que se viveram após o 25 de abril de 1974 exigiram uma adaptação à nova realidade. Germano Silva confessa que os jornalistas não estavam preparados para escrever em liberdade. “A adaptação fez com que nós tivessemos uma aprendizagem que foi difícil, porque nem sempre os jornalistas tiveram o comportamento que manda a ética. Houve muitos exageros, fez-se sofrer muita gente sem que houvesse necessidade e alguma culpa foi do jornalismo que se praticava”, refere. Manuel Dias não partilha da mesma opinião e defende que, na altura, se suspeitava “que os jornalistas não estivessem preparados para escrever sem a ameaça de censura, que tivessem alguns constrangimentos ou alguns excessos”. “Mas não houve nada disso”, garante.

Independentemente da conduta dos jornalistas, Manuel Dias revela que, com o fim da censura, teve uma grande “sensação de alívio, de liberdade, de total confiança”. “Foram muitos anos debaixo da censura, que não só cortava como alterava os textos, independentemente de terem conteúdo político ou não. E as notícias cortadas não eram só aquelas que eram desfavoráveis ao governo. Eram cortadas muitas notícias que não tinham nada a ver com o governo”, desabafa.