Em cada 800 bebés que nascem em Portugal, um tem trissomia 21. Também conhecida como Síndrome de Down, trata-se de uma anomalia genética que faz com que, em cada célula do corpo, haja um cromossoma a mais no par 21. Os portadores têm um aspeto físico caraterístico e um défice cognitivo, muito variável em cada pessoa. São estas as características que distinguem os portadores de Trissomia 21. Mas não são estas que os definem.

Foi a pensar numa forma de acabar com ideias pré-concebidas que Marcelina Souschek fundou o grupo de pais, Pais21, com apoio técnico e científico da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 (APPT21).

“Nós começamos a pensar que aquilo que os nossos filhos tinham era apoio técnico ou científico, que é importantíssimo, mas faltava a parte social”, justifica. Marcelina acredita que o Pais21, com cerca de 500 membros, pode ser um suporte para o impacto que ter um filho com trissomia 21 tem na vida de qualquer um. “Adoramos os nossos filhos até à loucura como todos os outros e gostaríamos de facilitar este primeiro impacto aos novos pais”, refere.

Marcelina Souschek conta que não teve diagnóstico pré-natal, isto é, só soube que Vera tinha trissomia 21 no dia que esta nasceu. “Eu passei por esse choque. Ter um filho com deficiência não é uma coisa que se escolhe. Não escolhemos nos nossos filhos, mas são nossos filhos. Para além de tudo são crianças muito capazes, que nos dão muito mais do que aquilo que nós podemos imaginar quando nos é dado um diagnóstico.”

Um “miminho” para os novos pais

Esta sexta-feira, o grupo Pais21 lança um kit para novos pais com informações sobre a doença, sem ideias pré concebidas. O objetivo do Kit21 é mostrar que os filhos não são menos capazes ou valem menos a pena a vida e investimento no seu desenvolvimento. “É preciso que os novos pais saibam do potencial do seu filho e tenham consciência que não estão sozinhos”, lê-se na nota. Inicialmente estará disponível no Hospital de Cascais e no Hospital de S. Francisco Xavier, mas há pretensão de chegar a todos os hospitais do país.

A distância entre o medo e a decisão de ter

95% dos pais optam por uma interrupção voluntária da gravidez, quando têm um diagnóstico pré-natal de trissomia 21. Marcelina já teve várias conversas com pais que estavam à espera de um bebé com trissomia 21 e garante que todos queriam o filho e o impedimento é, normalmente, o medo. “Por vezes nós esquecemos que nenhum dos nossos filhos é aquilo que nós sonhamos. Mas só é preciso ser capaz. A maior parte das pessoas tiveram medo, medo da sociedade, do futuro…simplesmente medo”.

A cofundadora do Pais21 acredita que aliado ao medo está o desconhecimento e a influência dos profissionais de saúde. “Passa por uma grande falta de informação e alguma pressão por parte dos profissionais de saúde, que insistem muito em que devemos interromper a gravidez”. Marcelina admite que é uma decisão pessoal, no entanto, questiona-se: “Dos profissionais que aconselham, quais deles, realmente, conhecem uma pessoa com trissomia 21?”.

A vida adulta e o “favor de estar”

Dar o passo para ser independente é desafiante para qualquer jovem, mas, neste caso, ter um cromossoma a mais é sinónimo de dificuldades a mais. Não significa, no entanto, que a reação seja desistir. Inês Daupias é prova viva disso. Do alto dos seus 22 anos, a jovem vai começar a fazer uma formação num hospital veterinário para ser assistente veterinária.

Marcelina acredita, no entanto, que o grande problema é a passagem para a profissionalização. “Estes jovens não procuram o “favor de estar”. Até pode haver algum que possa não ser produtivo, mas é como nós, nem todos somos produtivos. Nesse caso, devem ser tratados como todos os outros”. Para Marcelina, o inverso também deve acontecer. “Se um jovem com trissomia 21 é capaz de desempenhar uma função como o seu colega, que não tem, porque é que o jovem com trissomia 21 não tem direito a um ordenado, a um contrato de trabalho, como o colega?”.

Já Inês faz questão de aproveitar o seu direito de viver. A pintura enche os olhos da jovem, em conjunto com o Karaté. Já é cinturão castanho, e não tarda nada vai fazer um exame para ser cinturão negro. De sonho em sonho, a vitória final de Inês seria “ter uma casa” própria e “um carrinho”.