À mesa, Helder Sousa, da Rádio Manobras, João Bacalhau, da Rádio Zero, e Álvaro Costa, colaborador da Antena 3. Em debate, a rádio na máxima expressão da sua polissemia: a tecnologia, o meio, a estética e a linguagem.

Falar de rádio é falar de um dos meios de comunicação há mais tempo implementados mas é, simultaneamente, falar de um meio em constante transformação. As sentenças de morte foram tantas, embora fossem mais as provas de vida dadas no éter. As transformações operadas ao longo dos anos deixaram, em Portugal, um setor assente, sobretudo, nas rádios comerciais. Em termos estéticos e de linguagem, os conteúdos assemelham-se. É então que surgem as rádios independentes.

Inspiradas pelo ideário das rádios pirata, as independentes assumem diversas índoles (comunitárias, universitárias ou experimentais) mas, na verdade, servem todas como laboratórios de experimentação e de palcos de liberdade. Helder Sousa enquadra a formação da Rádio Manobras nessa entidade: “O nosso objetivo é a intervenção no espaço urbano da cidade e criar um espaço público nas ondas de rádio”.

A operar no Porto, a Rádio Manobras é uma rádio comunitária da cidade que, segundo Helder Sousa, pretende “amplificar a voz da cidade”, entregando aos portuenses a capacidade de comunicar e intervir na cidade. Esta viagem à “cidade invisível” é assegurada por 30 pessoas, todas embuídas de um “saudável amadorismo”, que asseguram a programação versada na política, cultura e urbanismo.

A Rádio Manobras inclui nos seus conteúdos uma cartografia sonora do Porto realizada por engenheiros de som, além de um serviço educativo concebido para ajudar na multiplicação de vozes na comunidade mas também para cultivar, nos mais jovens, a vontade de fazer rádio. Estas apostas, incomuns no mercado dito tradicional, ganham expressão na comunidade independente.

“As rádios independentes são laboratórios de tentativa-erro”

Uma consequência natural na perspetiva de João Bacalhau, da Rádio Zero. “As rádios independentes são espaços de experimentação, laboratórios de tentativa-erro”. Alguns programas transmitidos hoje nas rádios comerciais tiveram as suas emissões iniciais em rádios independentes e o segredo para a germinação da criatividade é, para João, o “espaço mais aberto ao risco”.

A Rádio Zero é uma rádio de espírito universitário, embora aberta à comunidade, que transmite desde o Instituto Superior Técnico em Lisboa. Uma herança iniciada desde a transmissão de música clássica em colunas da universidade e que passa pela histórica Rádio Universidade Tejo, baluarte dos anos 80.

Desde o início do século que a existência da rádio tem enfrentado alguns problemas e chegou mesmo a estar encerrada. Contudo, em abril de 2004, reabriu como rádio interna do instituto e, mais tarde, quando a expansão à comunidade foi decidida, além do novo nome, vieram novas interrogações: como fazer a transmissão?

As rádios comunitárias enfrentam uma dificuldade de expansão: o acesso ao espectro radiofónico. A grande maioria não consegue transmitir em FM de forma regular e apenas consegue fazê-lo através de licenças temporárias. Álvaro Costa, colaborador da Antena 3, defende “uma união das rádios universitárias para resolver o problema de só algumas terem frequência”.

Para o radialista o problema da transmissão democratizada para grandes audiências pode encontrar uma luz ao fundo do túnel: “As rádios online chegarem aos recetores”. Assim, num simples autorádio, a opção fica estritamente do lado do ouvinte. Álvaro Costa encara a rádio como “um instrumento de comunicação, agregação e sobretudo criatividade” e que a manutenção deste paradigma só é possível se “se mudar o sistema entrando dentro dele”.

A trabalhar numa das rádios de maior audiência em Portugal, o radialista alarga o conceito de independência à construção de conteúdos. Para si, é possível que o trabalho independente seja aceite por largas audiências sem ter que se subverter à superficialidade ou aos vícios. “O segredo é juntar tudo: vanguarda, mainstream e alternativo”, até porque “rádio, televisão e internet já não se podem separar”. A criatividade é, tal como o éter, invisível mas é na sua expressão independente que vive o fio do passado e futuro radiofónico.