Já lá vai o tempo em que era necessário pegar em papel e caneta para manter contacto com outras pessoas. Agora é tudo muito mais rápido e, graças à Internet, é possível falar com alguém que esteja na Nova Zelândia ou no Perú numa questão de segundos. No entanto, há muita gente a recuperar esta tradição “quase ancestral” de trocar cartas e postais para conhecer outras gentes e culturas. E, mais do que um passatempo, esta atividade torna-se, por vezes, num estilo de vida.

“Desde que sei escrever que troco cartas”

“Felicidade inesperada”. É o que as cartas representam para Mariana. Por isso mesmo, sempre cultivou o hábito de escrever à família, amigos e amores. As histórias partilhadas – muitas vezes somente em papel -, os cheiros que o papel carrega e os sentimentos que a letra transmite, são alguns dos prazeres que a ligam ao passatempo.

Porque “cartas escritas por alguém de que se goste muito são mais do que cartas”, Mariana tem um carinho especial por aquela que recebeu da mãe no último aniversário, o vigésimo primeiro, que veio “embrulhada” num típico envelope e “foi impossível a lágrima não sair do coração”.

A vontade de espalhar a alegria de ter a caixa do correio recheada levou Mariana a criar, em meados de 2012, o “Projecto Cartas Cruzadas”. Assim que lançada no Twitter, o pássaro azul ajudou a passar a mensagem às mais de cem pessoas que já participaram.

A ideia do projeto é conhecer pessoas que tenham vontade de trocar cartas e transmitir a felicidade deste pequeno gesto. A correspondência é feita entre a Mariana e quem queira participar, tudo de forma gratuita.

“Por vezes é difícil conciliar a vida pessoal e escrever atempadamente a todas as pessoas”, explica ao JPN a licenciada em Reabilitação Psicomotora na UTAD. No entanto, continuam a surgir novos pedidos de participação, alguns de países como França, Finlândia e Áustrália, e o feedback tem sido muito positivo.

Escrever para partilhar 

Teresa, de 25 anos, relaciona-se com as cartas de forma algo diferente: escreve-as aos amigos espalhados pelo país porque considera a Internet “algo despersonalizada e vazia”. Para a jovem, são vários os pormenores que tornam a carta um ato mais íntimo que revela o estado de espírito da outra pessoa, seja a letra ou o papel escolhido, e fazem deste ritual “um elo de ligação maior”.

Postcrossing: A maravilha dos postais aleatórios

O Postcrossing surgiu em 2005 e a ideia é de Paulo Magalhães, um português aficionado por postais.

Este projeto funciona de uma forma muito simples: ao enviar um postal receberá outro de qualquer parte do mundo.

Para participar é necessário inscrever-se no site.

Já lá vão quatro anos desde que o Postcrossing invadiu o quotidiano de Teresa e, graças a esta ideia lusitana que saltou para a web em 2005, nunca mais parou de trocar postais. O entusiasmo de conhecer novas culturas surgiu num ambiente de partilha, em que a vontade de mostrar a identidade portuguesa “incluindo locais, expressões e estilos musicais” era mais que muita.

Se há coisa que preserva a vontade de continuar a escrever para moradas desconhecidas é “chegar a casa depois de um dia cansativo e perceber que se recebeu novos postais”. Para Teresa, este passatempo até ajuda a combater o egocentrismo, “é como um relembrar constante de que existe no mundo, muito para lá de nós”.

“Embora seja agradável receber um postal esteticamente bonito, a verdade é que são as palavras que acabam por nos marcar”, diz ao JPN Teresa. Talvez por ser médica, um dos seus postais favoritos foi escrito por um colega de profissão chinês que relatou as complicações diárias que enfrenta no trabalho, aconselhando-a a “viver honesta e verdadeiramente, desfrutando cada momento”.

São várias as histórias caricatas que se guardam depois de anos a corresponder com pessoas de todo o mundo, mas há uma que Teresa não esquece: “Já recebi um postal totalmente em mandarim e fui incapaz de compreender uma palavra do que o remetente tinha escrito”.

Viajar sem sair do sítio

Fabiana tem 22 anos, é estudante de Engenharia Química no ISEP, e sempre gostou de “trocar bilhetinhos”, mas começou a levar o assunto mais a sério aos 14 anos. Nunca tinha saído de Portugal, eram muitos os locais que desconhecia e arranjou nos postais “uma boa maneira de ver as coisas”.

Agora que já anda nestas andanças há quase dez anos, o entusiasmo mantém-se: “É mesmo espetacular ir à caixa de correio e ver que tenho um postal novo, ver os selos e o que as pessoas escrevem”.

Graças ao postcrossing, o serviço que usa para trocar postais, Fabiana conseguiu fazer algumas amizades e até correspondeu com uma rapariga italiana durante dois anos, mas admite que “é difícil manter o contacto a longo prazo, porque a ideia é variar e falar com pessoas de sítios diferentes”.

Outra peculiaridade destas amizades fomentadas por borrões de tinta em papel é que não é imperativo conhecer as feições da pessoa que está do outro lado, o imaginário é que conta e, para Fabiana, “as redes sociais não existem”, porque “a primeira imagem que se tem da pessoa é aquilo que ela escreve”.

Hoje tem uma coleção que ascende aos 400 postais vindos dos quatro cantos do mundo: Bahamas, Austrália, Japão, Tailândia, Açores e por aí fora. O postal do coração é o dos Beatles, porque é a sua banda favorita, mas também gosta muito dos postais nipónicos, porque é uma cultura que aprecia “e gostava de visitar”.

Apesar de agora não enviar tantos postais como há uns tempos atrás, já que “os selos estão caros”, e de ser uma fã incondicional das tecnologias – quer “um telemóvel novo” -, Fabiana mantém os postais bem presentes na sua vida, até porque gosta de conhecer novos locais pelos olhos das pessoas que lá vivem e quer preservar a magia “das coisas mesmo antigas”.

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