Uma década após a abertura de um dos principais marcos da cultura portuense, a Casa da Música, o JPN “puxou a fita atrás” para recordar as histórias que estiveram na base da criação desta sala de espetáculos, envolvida, logo desde o início, em processos controversos.

Um projeto ambicioso para o seu tempo

O tempo, ou melhor, a falta dele, foi um dos principais contratempos com o qual a Casa se viu confrontada. Teresa Lago, ex-presidente da já extinta Porto 2001, contou ao JPN que “o projeto teve um ambição superior ao tempo disponível para a sua conclusão pela Porto 2001, e daí advieram as dificuldades com a opinião pública”.

No entanto, a astrónoma garante que “o mais importante era avançar com a Casa”, mesmo sabendo que, à partida, só ficaria concluída muito após o encerramento da Capital Europeia da Cultura, em julho de 2002.

Nuno Cardoso, ex-presidente da Câmara do Porto, é da mesma opinião, pelo que considera o projeto “muito arrojado”, isto é, “uma obra de loucos e feita por loucos”. No entanto, ressalva que “a Casa é muito mais do que a caixa” que, apesar de ter sido inaugurada em 2004, já fizera programação em 2001, pela mão de Pedro Burmester e da orquestra que, ainda antes desse ano, obteve o título de Orquestra Sinfónica do Porto.

A Caixa que acolheu a Casa

O percurso arquitetónico da Casa da Música também se revestiu de alguns pormenores curiosos. Rem Koolhaas, arquiteto holandês, foi o escolhido, após um concurso entre cinco artistas internacionais convidados. Das três propostas recebidas, a do holandês foi a primeira a ser analisada, colocando a fasquia num nível elevado. Nuno Cardoso confessa ao JPN que as maquetes concorrentes “eram muito formais e sem graça”, o que tornou a decisão “fácil de tomar e unânime”.

O arquiteto

Rem Koolhaas é o holandês responsável pela criação da maquete da Casa da Música, proposta então sujeita a posteriores alargamentos. O arquiteto assinou, também, edifícios como a Sede da CCTV (Beijing, China) e a Biblioteca Central de Seattle (Seattle, EUA). O artista foi, em 2000, galardoado com o Prémio Pritzker de Arquitetura, o que conferiu, segundo Nuno Cardoso, “um reconhecimento internacional da Casa da Música e da cidade do Porto”.

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Consciente de que “era um projeto muito complexo em termos de estrutura”, a comissão que elegeu a proposta vencedora – da qual fazia parte o arquiteto português Siza Vieira – considerou que “todo o atraso valeu a pena, por ter nascido um ícone da cidade do Porto moderna”. Em termos de despesas, Nuno Cardoso refere que se “perdeu um bocado o controle” e que, “numa fase final, há custos inexplicáveis e exagerados”.

A controvérsia gerada em torno da escolha de um arquiteto holandês, em detrimento de um artista nacional, deve-se, segundo o ex-autarca, a “todo o processo de engenharia associado ao projeto, que deve ser funcional e satisfazer o seu objetivo fundamental”. Com efeito, as preferências voltaram-se para equipas experientes, arquitetos “que já tenham feito coisas do género”. Siza Vieira, na altura, “pôs-se logo de fora devido ao curto prazo implicado”.

Outras polémicas e impedimentos orçamentais

A Casa da Música esteve sempre envolvida em polémicas, principalmente nos primeiros anos da sua construção. Os custos exacerbados levaram a uma derrapagem orçamental e, por consequência, a sucessivos adiamentos da inauguração.

Segundo Fernando Gomes, presidente da Câmara do Porto entre 1989 e 1999, “nunca esteve previsto que a Casa da Música ficasse pronta em 2001. O que se decidiu foi aproveitar o quadro do Porto Capital Europeia da Cultura para lançar um projeto que de outra forma nunca se construiria. O Governo e a União Europeia incluíram o financiamento do empreendimento na iniciativa do Porto Capital Europeia da Cultura com perfeito conhecimento da impossibilidade de ter a obra pronta para o evento”.

Para o ex-presidente, a Câmara pretendeu que houvesse um marco físico que ficasse como cunho do acontecimento, “uma espécie de escultura-monumento ao Porto 2001”. Deste modo, o concurso para selecionar o projeto foi lançado a tempo de a decisão ser tomada durante o ano de 2001, sob o patrocínio do Porto Capital Europeia da Cultura, mas a sua construção seria posterior a este ano.

Outra questão levantada nos primórdios da criação desta sala de espetáculos prendeu-se com a localização. “Havia a opção de a colocar no Parque da Cidade do Porto”, segundo Nuno Cardoso, “o que ficava muito apartado dos circuitos das pessoas”. “A arquitetura, a localização central e a equipa” são, segundo o ex-autarca, os pontos fundamentais do sucesso da Casa.

Um ícone cultural da Invicta

Para Fernando Gomes, a Casa da Música “é uma marca de modernidade, dos novos tempos do Porto, da cidade preocupada em se afirmar nacional e internacionalmente pela atividade cultural e interessada em se incluir nas redes de cidades europeias de média dimensão com relevância no domínio das diferentes expressões culturais”.

Salienta, ainda, outros “equipamentos complementares” que foram programados e/ou reabilitados a par desta sala de espetáculos, como o Teatro Nacional de São João (TNSJ), o Coliseu do Porto, o Teatro Rivoli e o Teatro do Campo Alegre, nomeadamente com a dinamização da Seiva Trupe.

Dez anos depois, a Casa da Música é vista por muitos como um ex-líbris da cidade do Porto. Nuno Cardoso refere que, a par de Serralves e do Estádio do Dragão, é o reflexo de “uma cidade que tem de se projetar no futuro” e “da qual nos podemos orgulhar”. Tido como um “projeto muito da cidade”, pela criação de uma Fundação e o envolvimento da sociedade civil na sua gestão, a Casa da Música é a prova de que o Porto é “a afirmação das suas gentes” e de que os portuenses “são mestres do seu próprio destino”.