Jorge Cordeiro é muito mais do que um vendedor de antiguidades e artigos de coleção. É um contador de histórias que consegue entreter, por horas e horas, quem passa pela OPORTOnidades, a sua loja na Rua General Silveira.

Tudo começou há cinco anos, em 2010, quando Jorge Cordeiro abriu a sua loja na baixa, após ter andado à procura do melhor sítio durante algum tempo. Antes teve outro estabelecimento, num local “em que muita gente passava, mas poucos paravam” e, por isso, não era tão bom. Sempre se interessou muito pela área de antiguidades, mas com a crise optou por dar mais importância ao colecionismo, o que a seu ver “foi realmente a aposta certa”.

Certifica que não dá muita importância ao facto de ser uma pessoa culta. Gosta apenas de saber a história de todos os artigos, para se informar e para que os futuros compradores saibam o que estão efetivamente a comprar e possam assim ter “outro estímulo para a preservação desse objeto”.

Não se formou em História, mas defende a ideia de que “quando uma pessoa se mete em alguma coisa, tem de ser bem feita”, uma vez que “se deve tentar ao máximo saber de tudo um pouco”. Nada lhe dá mais prazer do que saber as histórias associadas aos artigos expostos na sua loja e, apesar dos seus 63 anos, a internet é uma ferramenta que não recusa, até porque é através dela que descobre muita coisa. Além da internet, o seu conhecimento e cultura geral crescem através dos livros e da troca de impressões, com colegas e com clientes. “Se uma pessoa quiser, está sempre a aprender”, afirma.

Quando se fala em valor, Jorge Cordeiro defende que existem dois tipos de valor: o valor monetário e o valor sentimental. Apesar de ser um homem de negócios, admite que, no seu ramo em particular, o valor monetário depende sempre de quem esteja disposto a pagar um determinado preço. “Eu pessoalmente dou mais importância ao valor sentimental das peças”, confessa.

Peças com histórias e com valor

Um dos objetos que mais estima é um conjunto de toilette de viagem, que pertenceu a um dos últimos primeiros ministros da Monarquia, no tempo de D. Manuel, em 1909. Tem ainda na sua loja uma garrafa Sifão, da Companhia União Fabril Portuense, que teve origem entre 1907 e 1920, sobre a qual afirma com um tom emotivo “à gente do porto diz mais do que a outras pessoas”. Explica que a Companhia União Fabril Portuense era uma fábrica de cerveja e cervejaria situada na Praça da Galiza e que “era hábito ir-se lá à noite beber uma cerveja e comer uma espécie de prego que eles faziam – o um mais um”.  “A cervejaria era um ponto de encontro e de socialização e, portanto, esta garrafa é capaz de ser dos objetos que mais estimo”, conta.

Em tom de brincadeira admite que a garrafa em causa é um dos objetos que mais lhe deixaria saudades se a vendesse, mas que existem outros que também “custaram um bocadinho” a vender. Apesar de tudo, sente um alívio quando vende os seus artigos a pessoas que sabe que os irão estimar. Conta, por exemplo, que vendeu um mealheiro com mais de 100 anos, da Fundação Cupertino de Miranda e que ele está agora no Museu do Papel Moeda, da própria fundação.

As memórias começam a aparecer e Jorge Cordeiro conta em episódio que o emocionou. “Lembro-me, por exemplo, de vender um mapa escolar de 1903, que dizia «Território Português de Goa». Foi um cliente que entrou aqui, com todo o aspeto de ser indiano e perguntou-me uma informação. Quando ele ia a sair, perguntei-lhe de onde é que ele era e respondeu que era de Goa. Eu pedi-lhe para ele não se ir embora, que tinha uma coisa para lhe vender. Ele quando viu o mapa ficou doido, doido”, recorda. Explica que esta foi uma situação que o marcou, pelo caráter sentimental, por ter visto o rosto de felicidade do cliente e por saber que o mapa iria ser emoldurado quando o senhor chegasse ao seu país. Não se lembra de ter ficado alguma vez arrependido de vender algum artigo, até porque “se me deixasse guiar pelo arrependimento, deixaria de vender e passaria a colecionar”, afirmou com humor.

É preciso mais cultura

No que diz respeito à importância da cultura em Portugal, Jorge Cordeiro critica o governo português por não dar o devido valor ao nosso património. Existem algumas peças de tal valor cultural na sua loja, que o próprio afirma que deveriam estar expostas em museus. Conta que já ligou várias vezes para alguns, para lhes explicar que tinha objetos muito importantes e que deveriam estar ao acesso do público, mas que não obteve resposta.

Diz ter na sua loja um quadro de Acácio Lino, quando este estava ainda no início da carreira e uma faiança das Caldas da Rainha, de Maria dos Cacos, peças com imenso valor cultural. Acrescenta que, por alguma razão que considera inexplicável, as entidades responsáveis pela cultura não fazem um esforço em adquirir e reunir estas peças de extrema importância para o património português. Ainda que esteja “contente” por haver um Ministério da Cultura, assegura que isso “não basta”.

Conhecimento e aprendizagem permanente

Apesar da bagagem cultural e histórica que leva, Jorge Cordeiro não se considera como um professor de História. O que se faz na sua loja, segundo o mesmo, é mais uma espécie de “permuta de informação”, entre colegas e clientes, o que faz acumular tanto conhecimento.

Aliás, conta até que foi através de um cliente que descobriu a origem do nome do jogo dominó. “Na Europa antiga, quando alguns padres eram castigados e tinham de ser presos temporariamente numas celas, como forma de punição, aborreciam-se imenso e então inventaram o jogo do dominó com peças de restos de pedras, que estavam pelo chão. A palavra «dominó» provém de uma oração, quando os padres rezavam e diziam «Domino Gratias». Para não serem descobertos, sempre que estavam a jogar e alguém ia espreitar as celas, eles disfarçavam e fingiam que estavam a rezar e diziam «Domino, domino»”. É desta forma que justifica a opinião de que a sua loja é um local de troca de conhecimentos, onde ele não só ensina como também aprende.

Relembra ainda uma conversa que teve com um amigo que, com 80 anos, lhe disse: “A mim já não me ensinam nada, que eu com esta idade já não tenho nada para aprender”. Para Jorge Cordeiro, esta não é a forma correta de estar na vida, pois a angariação de conhecimento deve ser permanente.

Sempre bem disposto, afirma: “Eu espero estar a ser enterrado e estar a aprender porque não ter mais nada para aprender é parar. E parar é morrer. Enquanto pudermos angariar e passar conhecimento, acho que é ótimo e que o devemos fazer, até porque é para isso que cá estamos. Se não passarmos para outras pessoas o que nós próprios aprendemos, então não estamos cá para nada”.

Fotografia: Vanda Pinto

(Para ver em grande clique numa das imagens à escolha)