Identificar pedófilos sob a forma de entretenimento não é aceitável deontologicamente, mas acontece num "reality show" da NBC

Não se sabe bem como surgiu a ideia de utilizar a televisão como forma de identificar pedófilos. O processo é simples. Algumas pessoas vão para salas de chat na Internet fazendo-se passar por raparigas de 13 ou 14 anos. Desta forma procuram-se atrair pedófilos até uma casa previamente alugada pela cadeia televisiva. Esta está dotada de um vasto equipamento vídeo e as imagens vão para o ar em horário nobre.

Esta situação mereceu um comentário de Luísa Neto, licenciada em Direito, ao JornalismoPortoNet. “O direito à reserva da intimidade está previsto na Constituição americana. Para além de proteger a vida privada da devassa alheia, legitima ainda as decisões e opções tomadas em consciência.”

De acordo com Suzana Cavaco, professora na área da deontologia profissional da comunicação, os métodos que a NBC vem utilizando como forma de identificar pedófilos não são eticamente correctos.

A NBC argumenta que a televisão desempenhou um papel importante para que o público tomasse consciência do perigo que é a pedofilia. No entanto, e ainda segundo Suzana Cavaco, “o tratamento informativo de fenómenos como o da pedofilia não podem ficar à mercê da tirania do share”.

O último reality show teve a colaboração da estação local da NBC em Filadélfia. A estação alugou uma casa a cerca de 500 metros de uma escola secundária. Quando os pedófilos chegavam e tocavam à porta deparavam-se com uma equipa de televisão, não havendo possibilidades de fuga.

O caso assume maior relevância quando se trata de um órgão de comunicação simbolicamente dominante, refere Suzana Cavaco. Acrescenta ainda, “o capital simbólico desse órgão de comunicação social dá-lhe peso de deformar o espaço à sua volta, de fazer lei, o que lhe exige maior cuidado e responsabilidade na sua esfera de actuações deontológicas”.

Entretanto, o poder judicial e a polícia já se manifestaram contra este método.
Estas entidades consideram que é perigoso, pois pode desencadear reacções violentas nos pedófilos quando desmascarados. Para além disso, esta prática impede que contra eles sejam levantados processos e sejam presos. Isto porque, e de acordo com Luísa Neto, “no que diz respeito à obtenção de provas, prevê o ordenamento jurídico norte-americano a impossibilidade de utilizar, em tribunal, provas que tenham sido obtidas ilicitamente. Neste caso, dissimuladamente e sem o consentimento dos próprios, condição “sine qua non” para a sua validade e licitude.”

André Morais