“Não é um lugar comum dizer que isto está a cair. O Bolhão está mesmo a cair. Está por muito pouco”. Maria Otília Oliveira aponta a falta de segurança do mercado do Bolhão como a principal preocupação de quem lá trabalha todos os dias. A comerciante não hesita em mostrar as fendas no tecto, nas paredes e no chão do seu talho, chamando à atenção para um perigo iminente.

Os lojistas do Bolhão temem uma desgraça, mais do que a própria descaracterização do edifício, cujo projecto de reestruturação está, aliás, previsto há 14 anos. Quem entra no Bolhão facilmente repara nas fendas que se abrem em toda a extensão das paredes, nos pilares desencaixados que suportam toda a estrutura, na ferrugem que consome as vigas que sustentam o piso superior. “Quem entra aqui com olhos de ver o mercado pensa que está no Biafre, no Vietname… no Iraque! Caiu aqui uma bomba e está tudo a viver em barracas”, sugere Maria Otília, com a perspicácia de quem lida todos os dias com fregueses exigentes que não deixam de apontar a degradação do local. Para além do problema da insegurança, falta de higiene e fracas condições de saneamento preocupam os comerciantes.

“Está à vista de quem quer ver e só não vê quem não quer”, atira Albino Sousa da Associação de Comerciantes do Mercado do Bolhão. Os comerciantes não se cansam de reclamar obras, visivelmente necessárias, mas a resposta foi sempre pela negativa. “Não há dinheiro, é o que nos dizem”.

Promessas e “Pinceladas”

E se os mercados são locais de preferência para campanhas políticas, também é nas más alturas que o “eleitorado” se lembra das promessas que ficaram por cumprir. “Acho que isto não passa de uma incúria de todos os governantes que vêm aqui caçar votos na altura das eleições… porque eles vêem como nós como isto está.” Maria Otília Oliveira aproveita para assumir parte da culpa da situação já que, em tempo de campanha, os políticos não são “questionados, encostados à parede”.

“Isto arrasta-se há anos, ja do outro tempo, do Dr. Fernando Gomes”, acrescenta a «Bininha do Bolhão». Albina Ferreira vende peixe no mercado e já viu pequenas obras serem feitas no edifício, mas nunca uma reestruturação profunda. A Câmara Municipal do Porto tem vindo a executar pequenos arranjos que, aliás, são visíveis logo na entrada principal do Bolhão. “Meteram-se ali já uns bons milhares de contos, que acabaram por ser pinceladas num edifício daquele tamanho”, afirma o vereador das Actividades Económicas da Câmara Municipal do Porto, Fernando Albuquerque.

Mas não há fundos que possam garantir a total recuperação do Bolhão. Por outro lado, os lojistas encontram fácil solução. “Se não há dinheiro porque é que têm as lojas vazias, porque não as alugam? Acho que há dinheiro é para qualquer outra coisa…”, sugere Otília Oliveira. A Câmara não considera a hipótese “por uma questão de cautela”, ao que Fernando Alburquerque acrescenta “ter consciência do grave problema que vivem os comerciantes.”

Recuperar o Bolhão = 15 milhões de euros em tempo de crise

15 milhões de euros, cerca de 3 milhões de contos, é o custo do projecto de recuperação do Bolhão, já estimado pelo vereador das Actividades Económicas da Câmara Municipal do Porto. A soma avultada é uma das razões apontadas na resposta às reivindicações dos comerciantes do Bolhão, já que a autarquia passa por uma frágil (e conhecida) situação económica.

“A decisão não pode ser tomada de mão leve”, assevera Fernando Albuquerque, ao mesmo tempo que garante que, neste momento, se procede ao estudo económico e de impacto ambiental do projecto de recuperação do Mercado. Trata-se de um projecto que data de 1990 e que nasceu da cooperação da Câmara com a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e que o vereador encontrou “na gaveta”.

“Era um projecto que estava ali no chão, dentro de uma grande caixa, estava todo completo, pago… Foi uma coisa que eu quis pôr logo em funcionamento”. Juntamente com o arquitecto Joaquim Massena, a C.M.P. já consultou três entidades com o intuito de averiguar a funcionalidade do projecto. Em 14 anos o Porto mudou muito e a autarquia quer saber qual o impacto na cidade e as reestruturações que o projecto deve sofrer. Parceiros, procuram-se, para compensar os custos das obras, mas está fora de questão “alienar o edifício”, sublinha Fernando Albuquerque. Ainda assim, com o projecto a dar, de novo, os primeiros passos, “as obras não começam este ano, seguramente”.

“Os dinheiros públicos são para isto”

Os comerciantes do Bolhão não precisam de evocar a construção dos estádios do Euro para reclamar aquilo a que acreditam ter direito. “A nível do estado tem que haver dinheiro para o mercado do Bolhão!” O representante dos lojistas é peremptório. Alcino Sousa adianta ainda que, à Metro do Porto, vão ser pedidas indemnizações pelos danos provocados pelas obras do Metro de superfície, na zona envolvente do mercado.

Morte anunciada?

Albina Ferreira vende peixe num dos únicos mercados da cidade do Porto, seguramente o mais concorrido. E deixa um último aviso. “A cidade está a degradar-se toda, está toda desertificada. E se o Bolhão morrer então é que podem ter a certeza que a cidade vai morrer mesmo! Porque o que faz chamar aqui muita gente ainda é o Bolhão”.

Maria João Cunha