Num mundo sem barreiras nem diferenças, serviços como o Serviço de Apoio ao Estudante com Deficiência da Universidade do Porto (SAEDUP) talvez não fossem precisos… Para a coordenadora do serviço, Alice Ribeiro, o combate contra as desigualdades é difícil, mas ainda assim possível.

A tarefa de um estudante portador de deficiência no Ensino Superior é duplamente complicada. Pelas inerências da tarefa académica e pelas dificuldades proporcionadas pelo seu “problema”. Esta constatação levou, em 1992, à formação de um serviço de apoio ao estudante com deficiência visual por iniciativa da Associação de Estudantes de Letras. Em 95, o serviço é oficializado na faculdade para responder às necessidades especiais desses alunos. Maria Alice Ribeiro é a coordenadora que desde então acompanha este projecto.

“Depois, com a entrada de outros estudantes com outro tipo de necessidades, começámos a diversificar também os apoios”, refere, acrescentando que no ano 2000 passou para o papel o que já acontecia na prática “e o serviço passou a ser um serviço da Universidade, de apoio ao estudante com deficiência”.

O centro nevrálgico do SAEDUP continuou, no entanto, a ser a Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), a entidade que garante o maior apoio logístico, material e de pessoal. Mas o apoio é destinado a todos os estudantes da universidade. Assim, juntamente com o Gabinete de Integração Escolar e Apoio Social da Reitoria e com a colaboração dos diferentes gabinetes de apoio ao aluno ou, noutros casos, com docentes designados pelos Conselhos Directivos, está a ser criada uma rede de apoio ao estudante com deficiência. O objectivo é que “haja pelo menos, em cada faculdade, um elemento que faça a ponte com o SAEDUP, que se ocupe destes casos, para resolver os seus problemas”.

O estudante com necessidades educativas especiais, como Alice Ribeiro prefere designar, entra na Universidade por duas vias: pelo contingente normal ou pelo contingente especial (2% das vagas de cada curso são reservadas para estes estudantes). Mas é depois do ingresso que os problemas surgem. “Muitas vezes eles percorrem caminhos sinuosos quando podiam chegar aqui e resolver o seu problema”, salienta.

A divulgação do serviço é uma questão complicada: “não tem havido praticamente trabalho de divulgação, porque com as poucas pessoas que temos estamos no limiar do que podemos fazer”. A prioridade é outra para Alice Ribeiro: “temos um conjunto de utilizadores deste serviço que precisam de coisas às quais normalmente não conseguimos responder por inteiro” e aí reside a preocupação fundamental de quem nele trabalha.

Com apenas três pessoas a trabalhar em regime de exclusividade, o auxílio de voluntários é essencial. São cerca de 25 pessoas, entre alunos, professores, funcionários ou mesmo pessoas exteriores à universidade. As inscrições no programa de voluntariado estão sempre abertas “porque as necessidades são muitas” .

Uma das pessoas que trabalham em permanência no SAEDUP, ao lado de Alice Ribeiro, é António Silva. Em 1997 foi destacado para estagiar no serviço vindo do centro de captação profissional de Gaia. “Na altura ele mostrava-se muito interessado por informática e nós estávamos a precisar de alguém para dinamizar essa vertente que é cada vez mais importante”, diz Alice Ribeiro. Importante para todos, e muito especialmente para os invisuais, como ele próprio, que, com o auxílio de um terminal de braille e um “software” de síntese de voz, tem no computador um instrumento de trabalho inestimável. Com toda a simplicidade processa-se um texto, navega-se na net, fica-se mais perto da informação, muitas vezes factor de desvantagem em relação aos “outros”. António Silva é, assim, quem está encarregue da formação nas novas tecnologias e da manutenção dos equipamentos. Numa sala com apenas dois computadores auxilia quem lá se dirige.

As novas tecnologias são, aliás, uma das grandes apostas do SAEDUP, “porque a autonomia destes estudantes é fundamental”, segundo Alice Ribeiro, que dá como exemplo a Universidade Electrónica: “Este projecto vai trazer uma abertura enorme e era interessante que estes alunos pudessem ser incluídos nessa vaga”. A coordenadora insiste na necessidade de se formarem as pessoas e de se apostar na acessibilidade dos conteúdos para que a partir de casa qualquer aluno possa aceder “às referências bibliográficas ou aos materiais disponibilizados pelos professores”. Por outro lado, é por intermédio destas tecnologias que se podem digitalizar as matérias mais específicas (relacionadas com o curso de cada um) ou mais genéricas que são de todo o interesse para o estudante. Além de ser mais fácil para ele consultar a informação (se tiver um terminal de acesso), permite também poupar muito em espaço de armazenamento. E espaço é coisa que falta ao SAEDUP, como o JornalismoPortoNet pôde constatar.

Neste momento, o SAEDUP dá apoio a cerca de 50 alunos com necessidades educativas especiais. Um número que é muito difícil de contabilizar, já que, segundo a coordenadora do projecto, a identificação destas pessoas, por exemplo no acto de matrícula, “é muito complicada”: “Há uma ficha específica que foi deixada em todas as faculdades onde as pessoas tomam conhecimento da existência do serviço. Se elas são preenchidas ou entregues já é outra questão” . Por outro lado, é muito lato o conceito de necessidades educativas especiais. Dentro dele cabem as pessoas portadoras de deficiência visual, motora ou auditiva, mas também as que possuem problemas de ordem psíquica ou psicológica, bem como problemas mais específicos e mesmo temporários. “Se um aluno está de canadianas e precisa que lhe seja garantido o transporte para determinado sítio, nós tentamos resolver o problema”, diz.

Cátia Carvalho é estudante do 4º ano de Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Inglês. Para ela, o SAEDUP é “acima de tudo um porto seguro”, um lugar onde os problemas podem encontrar resolução. Portadora de uma deficiência motora, esta aluna garante que “não existem grandes barreiras arquitectónicas” na FLUP e considera que “para as pessoas invisuais é muito mais complicado”. Ainda assim, quando precisa de intervir junto de um professor, para mudar de sala ou quando precisa de transporte para alguma conferência, pode sempre recorrer ao SAEDUP.

Sérgio Conceição, um moçambicano de 30 anos, estuda Sociologia e é invisual. O serviço de apoio ao estudante ajudou-o sobretudo a familiarizar-se. O problema da integração sente-o em parte. Diz que sente “a distância das pessoas” e que estas, talvez “por falta de conhecimento”, ainda tenham “o complexo de ter um amigo com deficiência”. Isso prova-se, na sua opinião, pelo facto de mais de metade das pessoas que são suas amigas na faculdade, serem “pessoas que têm alguém na família com o mesmo problema”. Para ele, os professores também podiam facilitar um pouco o trabalho dos alunos se digtalizassem o material necessário para as aulas: “quando nos pedem para trazer um capítulo para a próxima aula, enquanto os outros vão à gráfica e compram, nós temos que esperar no mínimo um mês. E estou a falar do mínimo”.

A integração destes alunos é uma missão fundamental dos SAEDUP. Maria Alice Ribeiro alerta: “muitas destas pessoas que aqui chegam trazem muitos preconceitos, têm alguns medos, porque muitas vezes foram maltratadas”, ainda assim, “os alunos que têm entrado mais recentemente sentem-se muito mais à-vontade no mundo dos ‘outros’”. Além de trazerem um conjunto de conhecimentos mais alargados, principalmente no que diz respeito a computadores.

Quanto à importância do serviço que coordena, Alice Ribeiro sublinha que, se ele é importante para a integração destas pessoas, isso significa que o meio não está ainda suficientemente atento e aberto a estas necessidades”, e remata: “É pena que tenha de haver um intermediário num processo que para os outros é directo”. Mas no mundo das “maiorias” não é assim. Por isso existem serviços como o SAEDUP, cujo principal objectivo é, um dia, não fazer sentido existirem. Só aí, garante Alice Ribeiro, estaremos na presença de uma missão inteiramente cumprida.

Liliana Filipa Silva