A equipa portuguesa foi eliminada mas podia muito bem não ter sido. Utilizando um chavão, pode dizer-se que o Benfica morreu de pé e cai de cabeça bem erguida. Com mais um bocadinho de sorte ou a mesma eficácia dos italianos no último remate e os benfiquistas podiam hoje sonhar com a conquista da Taça UEFA.

Se dúvidas houvesse sobre a capacidade do Benfica discutir a eliminatória, elas ficaram dissipadas logo nos primeiros minutos do encontro. Perante um Inter cinzento e muito parecido com o da primeira mão, os jogadores encarnados não tiveram medo de assumir o jogo e passar quase toda a primeira parte no meio campo do adversário. Tal como na primeira mão, em Lisboa, o Benfica criou oportunidades com a mesma facilidade com que as desperdiçou… Zahovic aos seis minutos deu o exemplo. Com o aumentar dos nervos do Inter, o Benfica ia aumentando os índices de confiança e tranquilidade. Trocava bem a bola e pacientemente buscava a baliza de Toldo. Parecia, no entanto, desenhado o mesmo filme de Lisboa. O Benfica continuava a pecar na finalização. Aos 36 minutos, finalmente o golo e por quem mais merecia: Nuno Gomes. Dois minutos depois, o poste evitou que o mesmo jogador dilatasse a vantagem. Já é hábito no futebol dizer que quem não marca, sofre. E assim foi. Sem nada fazer para o merecer, o Inter beneficiou da inspiração de Karagounis. O médio grego tem uma iniciativa verdadeiramente espectacular sobre a linha de fundo e, após desviar cinco adversários do caminho, incluindo Moreira, endossou a Martins que empurrou para o empate.

Este golo não fez bem ao Benfica que na segunda parte nunca mais foi o mesmo.
Os segundos 45 minutos trouxeram um Inter que ainda não tínhamos visto na eliminatória. A entrada de Recoba mudou radicalmente o jogo. Os adeptos “nerazzuri” bem podem agradecer a vitória ao uruguaio. Vieri e Martins passaram a jogar com alguém mais próximo. A estrutura encarnada tremeu e acabou mesmo por “tombar”. Pela primeira vez vimos um Inter a querer vencer, e a colar-se à área do Benfica. Não criou muitas oportunidades mas quando o fez foi com eficácia. Recoba toca três vezes na bola, faz um golo e dá dois a marcar. Teve o Inter aquilo que faltou ao Benfica na primeira mão e na primeira metade desta segunda: eficácia. Os golos tiveram o condão de “iluminar” o Benfica, que ainda reduziu por duas vezes. Foi o melhor período do jogo. Cinco golos em 16 minutos de “loucos”. Os italianos chegaram aos 3-1 e Nuno Gomes reduziu, o Inter fez o quarto e Tiago voltou a reduzir. Pairava na cabeça dos benfiquistas o jogo de Leverkusen. Na altura o Benfica conseguiu marcar o quarto golo, agora ficou-se pelos três.
Foi mesmo no último segundo que Sokota desperdiçou a última boa oportunidade para igualar. A cruzamento de Miguel, o desvio do croata passou mesmo ao lado da baliza de Toldo. Faltou só um bocadinho. Como faltou sempre na eliminatória.

Para os adeptos sobra a consolação de poder reviver o “velho” Benfica europeu, capaz de discutir as eliminatórias com qualquer equipa, seja em que estádio for. Ficou a certeza de que, com um pouco mais de sorte, o Benfica até podia ter eliminado este Inter, muito longe de estar bem.

O Inter

Álvaro Recoba merece o destaque de melhor em campo. A sua entrada alterou completamente o cariz do jogo. Se na segunda parte o Inter foi melhor que o Benfica, a ele o deve. A jogar no meio e atrás dos avançados, o uruguaio deambulou constantemente pelas alas, aproveitado o adiantamento de Miguel e Armando. Foi descaído para as linhas laterais que Recoba fez estragos. Um golo e duas assistências que foram mais de meio golo. Lá na frente, Martins foi sempre uma dor de cabeça para Luisão. A velocidade do nigeriano complicou a tarefa do central brasileiro que se “viu e desejou” para o parar. Bom jogo também para os alas interistas. Kily Gonzalez e Zanetti foram sempre o apoio que, lá na frente, os avançados necessitaram.

O Benfica

O Benfica continua a carecer de problemas defensivos. Sempre que o Inter acelerou, notaram-se os problemas que o Benfica já nos mostrou durante a restante época. Luisão nuca conseguiu acompanhar Martins e os laterais benfiquistas parece que abriam uma auto-estrada aos extremos interistas, situação que se agravou na segunda parte após a entrada de Recoba. Armando Sá esteve muito bem a atacar mas frágil a defender. Miguel, que até costuma ser dos melhores do Benfica, esteve hoje muito abaixo do que é habitual e acaba por ficar ligado de forma directa ao resultado. Do meio campo para a frente, Simão foi o habitual dínamo. As jogadas de perigo do Benfica tinham quase sempre a sua assinatura. Destaque, naturalmente, para Nuno Gomes, pelos dois golos, e para Sokota, muito bem a jogar de costas para a baliza.

Reacções

“Quem marca 3 golos em Itália não pode ser eliminado”. Esta é a ideia principal que José António Camacho retira do jogo de hoje. Na conferência de imprensa após o jogo, Camacho não disfarçou alguma frustração pela derrota do Benfica que, segundo o mesmo, foi “muito melhor” no conjunto das duas mãos. Para o treinador do Benfica, uma das diferenças entre as duas equipas está no campeonato que disputam: “em Portugal podem-se cometer certos erros, mas em jogos destes não se pode descuidar de jogadores como Martins, Vieri ou Recoba. A alguma perguntas dos jornalistas que questionaram o “timing” da entrada de Sokota e a forma física do Benfica, o técnico espanhol respondeu de forma dura. “Quando se perde há sempre gente que gosta de encontrar problemas”, acrescentando de forma irónica que “as análises são para os entendidos”.

Do lado dos italianos, Zaccheroni era visivelmente um treinador aliviado. Criticado por Recoba no último jogo do campeonato italiano, o treinador do Inter não se importa com as críticas desde que “sempre que criticar jogue assim”.
Analisando o jogo em si, “Zach” considera que não foi só Recoba a alterar o rumo do jogo. “No segundo tempo tudo mudou, corremos muito, tivemos outra disposição.”
Para o treinador italiano, os muitos golos marcados são lógicos: “depois do 0-0 na primeira mão, difícil era que agora terminasse outra vez 0-0 ou 1-1″.

O árbitro

O árbitro francês esteve de forma geral bem. Sempre atento e a acompanhar os lances de muito perto, Sars conduziu sempre o jogo com segurança e teve decisões maioritariamente acertadas. Um ou outro erro, como o cartão amarelo que poupou a Vieri, mas nada de muito grave.
A sua actuação acaba, no entanto, por ficar marcada pelo lance em que Toldo pontapeia propositadamente Sokota dentro da área. Um lance de expulsão e grande penalidade a favor do Benfica, que poderia valer o apuramento. Muito longe da área e tapado por muitos jogadores, a responsabilidade recai sobre o árbitro auxiliar, que tinha obrigação de chamar o chefe de arbitragem a dar-lhe conta da situação.

Oitavos de final da Taça UEFA

Estádio Giuseppe Meazza
Árbitro: Alain Sars (França)

Inter de Milão – Toldo, Córdoba, Adani e Gamarra, Javier Zanetti, Lamouchi, Karagounis (Brechet aos 71’), Okan (Recoba aos 58’) e Kily Gonzalez, Vieri e Martins Almeyda aos 86’)

Benfica – Moreira, Miguel, Luisão, Ricardo Rocha e Armando, Petit (Geovanni aos 85’), Tiago, João Pereira (Manuel Fernandes aos 65’), Zahovic (Sokota aos 65’) e Simão, Nuno Gomes

Golos: 0-1 por Nuno Gomes aos 36’
1-1 por Martins aos 45’
1-2 por Recoba aos 60’
1-3 por Vieri aos 64’
2-3 por Nuno Gomes aos 67’
2-4 por Martins aos 70’
3-4 por Tiago aos 76’

Disciplina : Amarelos para Tiago(21’), João Pereira (56’), Armando (78’), Okan (41’) e Recoba (79’)

André Morais

Foto : www.slbenfica.pt