O Gouveia Art Rock 2004 decorreu festivamente no fim-de-semana passado. Passaram seis nomes pelos palcos da cidade beirã e muita música “livre”.

A edição 2004 do festival arrancou no sábado, dia 24, com o lançamento do DVD relativo ao Gouveia Art Rock 2003. Os pequenos discos voaram rapidamente das prateleiras para debaixo dos braços de vários interessados. Estava dado o mote para a actuação dos portugueses Forgotten Suns.

forgotten_suns.jpgCom a responsabilidade de ser o primeiro colectivo a actuar, Lynx, Ricardo Falcão, J.C. Samora e Johnny confirmaram a razão pela qual são considerados uma das grandes esperanças do panorama progressivo português. O carinho do público ajudou e a quente tarde de sábado refrescou-se com as melodias vindas de Lisboa.

 

 

periferia_del_mondo.jpgOs Periferia del Mondo foram a segunda banda a subir ao palco do Teatro-Cine de Gouveia. Os italianos mostraram um progressivo de fusão, destacando-se Alessandro Papotto no domínio de um sem fim de instrumentos. Clarinete, saxofone, flauta transversal, teclas, aliados à responsabilidade vocal dentro do colectivo.

Tecnicamente impressionante na execução de todos os instrumentos, proporcionou ainda um dos momentos mais belos do evento. Sensivelmente a meio do concerto, ensombrou quando tocou Bach, Paganini e Mozart no clarinete, a solo. Papotto vocalizou a maioria dos temas em italiano. Nos poucos em que se exprimiu em inglês, notaram-se alguns problemas de dicção.

richard_sinclair_band.jpgO primeiro dia encerrou com a actuação de Richard Sinclair. O britânico veio acompanhado dos anunciados Andy Ward e Theo Davis e trouxe duas surpresas. Alex Maguire e Phil Miller transformaram o trio em quinteto.

Sinclair iniciou o concerto na guitarra acústica e tocou dois temas neste formato, onde a flauta transversal de Theo Davis trouxe à sala uma toada seventy. Por instantes, o Teatro-Cine transformou-se num clube nocturno de cores quentes.

A partir do momento em que Sinclair passou para o baixo, a guitarra de Phill Miller sobressaiu. Solos intensos, perfeitos, onde todos sentiram o prazer do músico nas curiosas expressões faciais que foi mostrando ao longo da noite. A apontar apenas alguns problemas técnicos, com os quais Sinclair lidou admiravelmente. Dirigindo-se aos técnicos de som na mesa, foi perguntando se estava tudo bem por ali e foi brincando com a situação. O público respondeu com sorrisos e aplausos.

fernando_guiomar_2.jpgNo dia da comemoração dos 30 anos da revolução dos cravos, Fernando Guiomar enfrentou a solo a plateia. O guitarrista português confessou-se um pouco desamparado pela ausência de músicos a acompanhá-lo, mas proporcionou momentos de invulgar beleza e intimismo. O domínio invejável das seis cordas, na cumplicidade da pauta, esteve na origem de melodias intensas, emotivas, por vezes enevoadas. A par dos Isildurs Bane, a melhor prestação do Gouveia Art Rock 2004.

A preceder a actuação dos italianos La Torre dell’Alchimista, os Mispel Bellyful subiram ao palco. O trio português apresentou o seu projecto no festival e foi afagado por uma onda de aplausos.

torre_alchimista.jpgMichelle Mutti e companhia iniciaram então a sua actuação. No contacto com a música do colectivo, o conceito de “revivalismo” ocorre naturalmente. À memória vieram os Emerson, Lake & Palmer.

Mutti surgiu vestido de Fantasma da Ópera e atacou impiedosamente as teclas. A destacar também a particularidade de vir acompanhado por um sintetizador analógico, algo raro nos dias que correm.

No início dos primeiros temas, ficaram no ouvido as melodias “assombradas”, como se de uma banda sonora de um filme de terror se tratasse. A flauta de Sílvia Ceraolo estabeleceu várias vezes diálogos com a voz de Michele Giardino, rematados pelos dedos invísiveis do mentor do projecto, Mutti.
O baterista Noberto Mosconi saltou para a guitarra acústica a meio da actuação e foi acompanhado por Ceraolo a lançar sopros de magia e pela cadência grave das teclas do Fantasma.

isildurs_bane.jpgCabeças de cartaz, a actuação dos Isildurs Bane ficou marcada ainda os músicos não tinham subido ao palco. O início de cada concerto foi sempre precedido de um breve soar de trompas. Ora, mal soaram na sala de convívio do edifício, bastou um pestanejar para a confusão dar lugar ao vazio.

Curiosidades à parte, o último concerto confirmou o perfeccionismo inerente à estética musical progressiva. Ambiental, relaxante, íntimo, emotivo, explosivo, enfim, um fluir de sensações corporais assentes na superior composição musical dos escandinavos.

Mats Johansson possui o perfil aventureiro dos músicos que não têm qualquer preconceito em explorar texturas musicais e é o maestro de uma orquestra onde não há espaço para erros. A primeira visita a Portugal dos Isuldur’s Bane foi o ponto final artístico ideal para um evento muito especial.

Trinta anos após o 25 de Abril, os “progs” gritaram “Revolução” de uma forma bem peculiar. Música não é, afinal, liberdade? E como Cláudio Braico, dos Periferia del Mondo, afirmou, o progressivo é “algo livre”.

Germano Oliveira