Por trás de biombos que deixavam apenas perpassar as sombras, os Mão Morta iniciaram “Gumes”, a peça que abre “Nus”, o último registo da banda, e que, estranhamente, foi tocada na sua totalidade. Estranhamente porque “Gumes” não se trata de uma canção. Falamos de uma suite de 25 minutos, composta por oito andamentos, ligados entre si aleatoriamente, na tradição beat do cut-up. Honra seja feita aos Mão Morta por não temer tocar tão complexa peça – que vai desde a música erudita ao hardcore – num recinto aparentemente tão conservador como é o da Queima. Ainda escondida pelos biombos, a banda partiu para quatro canções do último disco: “Estilo” (swingante q.b., construída sobre um baixo quase dub), “Cárcere” e “Vertigem” (canções rock fortíssimas) e “Gnoma” (primeiro single do disco).
A irónica e perturbadora “Em directo (para a Televisão)” e a incendiária “Vamos Fugir” recuperaram o disco de 1998 “Há Já Muito Tempo que Nesta Latrina o Ar se Tornou Irrespirável”. Seguiram-se o clássico “Lisboa” com o olho de repórter da decadência de Adolfo (“Quando chega a noite com suas caras fugidias, olhos dilatados pelo assombro deixamos que a cidade nos invada”). O imediato “Cão da Morte” fechava o concerto, sem dar tempo para o encore previsto. Adolfo avisou e notava-se que estava com problemas na voz que, a espaços, se tornava inaudível. Foi um concerto que soube a pouco, mas que deve ficar recordado pelo “desafio”, como classificou Adolfo ao JornalismoPortoNet, de evitar a sucessão de êxitos que esta banda com 20 anos já tem.

Depois dos Mão Morta, subiram ao palco os Jim Dungo, uma banda praticamente desconhecida que – viríamos a saber depois – actua com Jorge Palma. Os Dungo fizeram questão de anunciar que iam tocar umas “musiquinhas” e não faltaram à verdade. Não foram mais que “musiquinhas” o que esta banda tocou. O som dos Dungo não difere muito de dezenas de bandas de garagem, perdidas entre o funk duvidoso, o rock a puxar à distorção, os solos de guitarra dispensáveis. O vocalista, nos melhores momentos, fazia lembrar um Manuel Cruz de segunda linha. No final, uma versão ainda mais punk de “Song 2” dos Blur animou as hostes.

Os Dungo voltariam ao palco para acompanhar Jorge Palma. O cantautor português já não é acompanhado pela anterior banda – que saudades de Flak na guitarra eléctrica. O concerto começou com “Jeremias, o Fora da Lei” (do longínquo ano de 1985), com Palma sozinho com a guitarra. Seguiu-se “Estrela do Mar”, canção delicadíssima ao piano, imune ao ruído de Queima. Este formato intimista é onde Palma se exprime melhor, onde melhor faz chegar as suas palavras e escrita de fino recorte ao público. Com os Jim Dungo já em palco, foi um desfilar de temas mais antigos ou mais recentes, com particular destaque para o disco homónimo de 2001. As canções com esta nova banda assumem uma roupagem mais hard rock, com direito a solos vistosos, menos discreta e parcimoniosa. É uma música mais dada a espaços amplos e que funciona bem na Queima das Fitas. Pena ferir a delicadeza que caracteriza as canções de Palma.

Palma saiu do palco eram 3h30 da manhã, uma hora depois do previsto pela Federação Académica do Porto para o fim dos concertos, repetindo o atraso da noite anterior. Os estudantes dirigiam-se para casa ou para as centenas de “barraquinhas” para continuar a festa.

Pedro Rios
Liliana Filipa Silva