Os Xutos e Pontapés desvendam o processo de composição do novo trabalho, "Mundo ao Contrário".

Os Xutos experimentaram recentemente o formato acústico. Essa experiência influenciou, de alguma forma, a composição do novo álbum?

Tim – Houve um tema onde se foi buscar, realmente, o ambiente acústico. Essa experiência foi enriquecedora por dois motivos: em primeiro, porque era algo novo, com um pouco de sonho envolvido, e a segunda, porque nos fez tocar muito concentrados. Levámos essa concentração para fazer o disco todo, tal como esse ambiente mais leve, mais acústico, de sonho, para uma música que o Cabeleira fez, a “Gota a Gota”. Foi nomeadamente aí que se aproveitou essa envolvência que vinha do acústico. Toda a gente achou que seria um desperdício não aproveitar um ano e meio de trabalho tão intenso na feitura do novo disco, porque realmente marcou.
Como se desenrolou o processo de composição?

Tim – Nos ensaios do acústico e quando fazíamos os sound-check, já havia temas que estavam em cima da mesa. Depois, quando entrámos no Inverno, encontrámo-nos, principalmente na minha casa, e cada um começou a mostrar as malhas que tinha. O Zé apresentou uma série de coisas, o João também, tal como eu e o Kalu. Por dia, estávamos a tocar cerca de três, quatro esboços de temas novos.
Nesse primeiro momento, a composição baseou-se em toda a gente conseguir tocar aqueles pedaços de música, até conseguirmos que aquilo seguisse uma direcção que se achasse boa. Posteriormente, fomos pondo letras em cima e umas foram surgindo mais rapidamente, outras demoraram um pouco mais. Às vezes, dávamos só o título às canções. Foi-se desenvolvendo assim.
Seguiu-se a sala de ensaios. Foi mesmo o “martelo na bigorna”, com os produtores a malhar e a ver se a música era grande ou pequena, como era o solo, que ambiente é que tinha e o que é que não tinha. Foi a grande triagem. Das quase trinta músicas que tínhamos, ficámos com quinze.
Com as letras praticamente prontas, e com os títulos também, e com quase tudo pronto, houve algumas músicas que caíram. Recuperou-se ainda uma música que tínhamos excluído. O processo, durante este tempo todo, foi muito, muito…

Zé Pedro – …natural…

tim2.jpgTim – …natural e muito conversa entre todos e muito “se gostas”. Às tantas, passámos a tocar só o que gostávamos. O que exigia um pouco mais de comprometimento e de sacrifício em fazer aquela parte, foi caindo por si. Foram-se cortando os ramos mais estranhos e o disco foi ganhando forma. Acho que foi natural.
O Rafael e o Cajó fizeram grande parte dos cortes, para além de direccionarem a banda. A partir de certa altura, começámos a tocar e não parávamos mais. Quer dizer, tocávamos uma e outra vez e fazíamos aquilo correr até que alguém dissesse “não, está mal” ou “está bem”.
De que é que falam os temas?

Tim – Pá, não sei… [sorrisos]

Zé Pedro – Eu acho que são variados. Oito das letras do disco são feitas pelo Tim, que é um letrista exímio. Como é ele que as canta, terá sempre uma opção muito especial sobre o que escreve, para vir com mais alma. Eu tenho uma letra e há um amigo nosso que fez outra, a “Pede um desejo”. Tenho noção que a linha segue uma parte mais madura das letras dos Xutos e Pontapés.

Tim – Olhando para tudo, se calhar tem que ver com as relações das pessoas. Não são só as relações um com outro, mas as relações das pessoas entre si. De grandes grupos com pequenos grupos e sobre todos esses aspectos. Na letra que o Zé Pedro escreveu, tem partes em que se pergunta como é que se pode apoiar uma guerra, qualquer que ela seja. Há outras onde eu pergunto como é que se pode fazer justiça se nem sequer há justiça no pensamento. Temos ainda outras mais pop, onde há uma relação, que nunca é pequena, mas que se pode considerar um pouco mais leve, entre um rapaz e uma rapariga, ou entre um velho e uma velha, sabe-se lá…

Zé Pedro – …entre duas pessoas.

Tim – E temos outras mais pesadas. Há uma música, que eu acho que é a mais pesada do disco, onde se fala de uma relação entre liberdade e prisão, mesmo em termos de sentimentos. Depois, todas as letras falam principalmente de relação. Isto é assim, porque não havia um único conceito para o disco e porque os Xutos estavam a viver uma situação de relação intensa. As pessoas estavam em comunicação, estavam abertas e valia a pena e havia espaço para falar de assuntos, mais íntimos ou mais globais. As letras variam entre a globalidade do mundo e o teu pequeno pormenor.

Germano Oliveira