JPN: Qual é a principal mudança que a implementação do Tratado de Bolonha em Portugal vai implicar?
José Ferreira Gomes, vice-reitor da UP:
O processo de Bolonha pretende criar condições para que haja uma diferenciação no ensino superior, para que alguns alunos saiam ao fim de três anos, alguns até antes disso. A perspectiva é, portanto, de aumentar ainda mais a percentagem de jovens que chegam ao ensino superior, mas permitir a muitos desses jovens a saída para a vida activa mais cedo. A estrutura básica de dois ciclos, o primeiro ciclo porventura de 3 anos e o segundo de 2, que é o mais tradicional, tem a ver com isso, com a necessidade sentida de alguns jovens de, ao fim de três anos, poderem sair para a vida activa por decisão própria.

Então os 3 anos vão ser mais gerais e os 2 anos mais específicos?
O que vai acontecer será a adopção do sistema 3+2, que consistirá em haver primeiros ciclos especializados, 3 anos vocacionais, e noutros casos 3 anos não vocacionais. Estes casos não vocacionais poderão servir a jovens que queiram fazer um curso longo para que depois possam escolher entre as opções possíveis para o 2º ciclo. A outra possibilidade é que no fim do 1º ciclo eles decidam sair para a vida activa com um diploma, que se espera que seja em termos formativos de banda larga, pouco especializado, mas ao mesmo tempo que lhes dê mais competências, mais capacidades de autonomia na vida activa. O desejável é que se dê aos jovens a possibilidade de escolherem entre abandonarem o percurso longo tradicional e entrarem mais cedo na vida activa ou permitir-lhes que continuem para um 2º ciclo, para o doutoramento, porque a sociedade continuará a precisar de pessoas com formações longas.

Ao adoptar o sistema 3+2 não se corre o risco de tornar os cursos muito especializados?
A questão da especialização é uma questão delicada porque todos reconhecem hoje que a evolução do mercado e da vida activa é mais rápida, portanto, uma especialização muito precoce leva a que os conhecimentos adquiridos sejam irrelevantes mais rapidamente e que o jovem tenha que voltar a fazer formação. A especialização precoce justifica-se para funções que podem ser reaprendidas rapidamente, mas é difícil aceitar noutras funções em que o jovem vai ter de fazer a sua aprendizagem concreta na vida activa. A estratégia é ter as duas componentes: uma componente curta de grande especialização e outra componente que consiste numa formação básica não-especializada. Neste último caso, uma base de formação muito ampla permite, em princípio, a adaptação sucessiva a novas posições no mercado de trabalho. Portanto, este encurtamento não significa necessariamente uma especialização.

Em relação ao 2º ciclo, vai ser financiado pelo Estado ou vai estar a cargo dos próprios estudantes?
O mais que posso dizer-vos é que tanto quanto sei nenhum país europeu utilizou o processo de Bolonha para fazer economias. Não quer dizer que o problema não tenha levantado discussões em vários sítios, mas nenhum país europeu conseguiu reduzir financiamento até hoje, que eu saiba, em consequência do processo de Bolonha. E, portanto, se Portugal o fizer, creio que será o primeiro. O que a Sra. Ministra tem dito é que vai financiar o ensino até à profissionalização, portanto, até à entrada no mundo do trabalho. Isto pode significar zero ou infinito. A situação actual é que o governo está a financiar as licenciaturas e o primeiro ano dos mestrados. E financia o primeiro ano dos mestrados a um nível muito superior às licenciaturas. Portanto, não me parece crível que subitamente se deixe de financiar o 2º ciclo.

Todos os alunos vão ter direito a prosseguir os estudos no 2º ciclo? Como vai ser feita essa selecção?
O que é desejável é que as coisas decorram com relativa serenidade, isto é, que possa haver a opção. Para isso é preciso que o aluno, ao terminar o 1º ciclo, tenha a noção generalizada de que já está equipado para entrar na vida activa. Outros alunos haverá que estão mais determinados e entusiasmados a trabalhar e a jogar num futuro incerto, e esses sim, a prolongarem os estudos para o 2º ciclo. Portanto, num quadro destes, estou convencido que não haveria muitos alunos a prosseguirem os estudos e que seria portanto uma selecção natural. A tendência dos jovens será chegar ao fim do 1º ciclo e achar que lhes basta a formação que tiveram e à partida será uma minoria de alunos que vai querer prosseguir os estudos. Agora, o que é preciso é que a qualidade deste 2º ciclo seja muito alta e que tenha uma qualidade técnica em todos os sentidos.

Entrevista realizada em Novembro de 2004.

Cristina Freitas
Paula Coutinho