"Vivemos num século democrático. Tudo o que se fizer há-de ser com o povo e pelo povo ou não se faz"

A frase, da autoria do próprio Garrett, consta na peça Frei Luís de Sousa e transcreve bem o pensamento político-ideológico do autor.

Os sentimentos nacionalistas e a celebração do Povo como entidade formadora da nacionalidade são “gostos da época, típicos do romantismo e surgem como reacção da intelectualidade europeia à política hegemónica e aglutinadora de Napoleão”, esclarece Fátima Marinho.
Como liberal e romântico, Almeida Garrett também procurou no Povo as raízes da identidade nacional e a sua obra espelha o compromisso que assumiu com os valores, as tradições e a História do país.

O gosto do escritor pelo popular evidenciou-se sobretudo na recolha que fez dos contos e tradições populares, reunidos em poesia no Romanceiro. Um trabalho muito próximo da etnografia e de que Garrett foi pioneiro em Portugal.
Mas o Povo é também a figura central do Arco de Sant’Ana, um romance histórico escrito durante o cerco do Porto em 1832 e que, a par das Viagens, aparece como uma “espécie de ecrã ideológico, estabelecendo uma analogia entre o povo portuense que, no século XIV, lutou contra a prepotência do Bispo e a luta dos liberais contra os absolutistas”, explica a professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
No entanto, o Povo de Garrett, como faz questão de evidenciar, “é um povo idealizado, inspirado nos valores do romantismo, que não são genuinamente os valores do povo real, ignorante e faminto”.

Mas Garrett foi, sobretudo, um ideólogo da burguesia liberal e os livros que escreveu demonstram o seu empenho na reforma político-social e cultural da sociedade portuguesa.
A luta entre o Portugal velho e o Portugal novo é, como refere Fátima Marinho, bem ilustrada nas Viagens, cujas personagens reflectem a divisão ideológica do país. “Em Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett projecta os seus ideais políticos através do contraste que cria entre o Carlos liberal e o Frei Dinis absolutista e corrupto”.

Além disso, a professora do Porto refere que a personagem de Carlos expressa não só as convicções liberais do autor, como o próprio desencanto de Garrett pelo desfecho do liberalismo português. “O destino de Carlos, que é feito barão e engorda, transpõe a frustração de Garrett diante do oportunismo da burguesia”.

Comprometido com o seu tempo e ávido de intervir nos destinos do país, Almeida Garrett não foi apenas escritor, mas também cronista, historiador, etnógrafo e crítico consciente. E os seus livros testemunham como poucos a época e o país em que viveu.

Andreia Fonseca