Rui Spranger tem 33 anos e é actor e encenador. Faz parte da companhia de teatro “Pé de Vento”. Participou, entre outras peças, em “A Asa e a Casa”, “Mar Revolto”, “Peça Édipos”, “O Físico Prodigioso” e “Todos os Rapazes são Gatos. Encenou “As Canções de Bilitis”, um espectáculo realizado pelo S.O.T.A.O, o grupo de teatro que dirige há vários anos.

Entre um cigarro e outro, fala sobre o teatro que se faz em Portugal e, essencialmente, sobre o teatro que é feito no Porto.

Qual a sua opinião sobre o teatro português?

Bom, essa é uma pergunta complicada… No teatro português, felizmente, começam a aparecer novos escritores. Porque acho que este é, ainda, o principal problema – a falta de uma dramaturgia nacional.
Nós em termos de história de teatro temos um grande buraco. Tivemos o Gil Vicente, depois só tivemos o António José da Silva, o Judeu, o Garret e, recentemente, o António Patrício. É claro que tivemos outros escritores de teatro, mas a fazerem grandes textos foram realmente poucos.
Temos um teatro nacional que não tem muitos anos, comparativamente com o resto da Europa.
Vivemos numa fase no teatro em que se “vão buscar” muitos escritores anglo-saxónicos e russos enquanto que há 20 anos atrás eram, sobretudo, escritores franceses.

E qual a sua opinião sobre o teatro que se faz no Porto?

O teatro que se faz no Porto tem seguido, algumas vezes, uma linha repetitiva; os mesmos autores são trabalhados pelos mesmos encenadores. Existe pouca diversidade, é o que eu acho.
Normalmente, trabalham-se sempre os mesmos autores, dão-se “fenómenos de moda” relativamente aos autores de textos. Tivemos as modas Sara Kain, Muller, Coltese, Mamett…
Depois, constata-se falta de espaços; há um número excessivo de companhias de teatro para o número de espaços que existe na Invicta. Ainda há pouco tempo estreou uma peça que esteve três dias em cena e não esteve mais tempo porque o espaço ia ser utilizado para outra peça.
Há meses em que não há espectáculos em cena, o que é uma pena, pois, com tantas companhias, é um fenómeno algo estranho. Por vezes, fazem-se cinco ou seis estreias ao mesmo tempo e depois verificam-se ”buracos”, ou seja, meses em que não se passa absolutamente nada.
Felizmente, o Teatro Nacional de São João (TNSJ) e agora também o TECA (Teatro Carlos Alberto) e o Festival PoNTI trouxeram grandes espectáculos ao Porto, o que é um marco bastante positivo.
No Rivoli, há grandes espectáculos de teatro, mas são muito escassos; sobretudo por causa da Câmara, pois a programação desta para o Rivoli é de fraca qualidade, diria até algo nefasta.

Os portugueses vão pouco ao teatro?

Acho que os portugueses já não vão pouco ao teatro. Cada vez mais se vai ao teatro em Portugal. Obviamente não se assiste no teatro ao mesmo fenómeno que no cinema. Mas se calhar não foi o cinema por si só que trouxe gente, mas sim as pipocas.
Hoje em dia as escolas levam os miúdos ao teatro, o que contribui para uma maior abertura ao teatro.

Acha que uma das grandes causas do estado actual do teatro em Portugal é não estar enraizado na nossa mentalidade colectiva a ideia convicta que a cultura é um dos pilares fundamentais do desenvolvimento da sociedade?

Sem dúvida. Foi algo que perdemos; tivemos uma ditadura assente na ignorância que nos fez perder algumas correntes do modernismo, o que demora muito ser a ser ultrapassado.
Embora ache que, ao sairmos de uma ditadura e entrarmos directamente numa sociedade de mercado, não estimula a cultura; aliás, estimula-se uma cultura de massas, o popular, o entretenimento.
Se repararmos – e isto não é depreciativo – os escritores que mais têm vendido ultimamente são jornalistas. Não quero dizer que eles escrevem mal; escrevem numa linguagem acessível e as pessoas já não olham para a literatura enquanto arte, por isso é que a poesia se vende pouco. A literatura hoje em dia conta histórias, claro que é umas das funções da literatura, mas a literatura também é arte.

O preço de um bilhete para o teatro é, em média, de 7.50 €. Considera um preço justo? Acha que é uma quantia acessível a todas as bolsas?

Não, não é um preço acessível a todas as bolsas. Esse é um problema, mas o teatro não é caro. Quando digo que é barato é porque os bilhetes nunca pagarão os custos de estar a fazer um espectáculo de teatro. Tem que se pagar aos actores, aos técnicos, a electricidade…mesmo estando as salas cheias não chega para pagar os custos de produção. E fala-se muito que as companhias deviam sobreviver por si próprias, mas é impossível.

O facto de, em média, uma ida ao cinema custar 4€ e ao teatro custar 7.50€ não faz com que, na sua opinião, o público português opte pelo primeiro?

Com certeza que sim. Mas a grande diferença é que no teatro temos as pessoas no palco naquele momento a fazer as coisas e no cinema já está feito; distribuem-se as bobines e pagam-se os direitos de autor… Mas nem sempre uma ida ao teatro custa 7.50€; pode-se ir ao teatro por 5€. Aliás, neste momento está um espectáculo em cena que custa 3€, é mais barato que o cinema.

Pensa que hoje em dia os espaços supostamente destinados para o teatro estão subaproveitados?

Não, hoje em dia já não creio que estejam subaproveitados. E não estão porque há uma falta de espaços. A excepção é o auditório do Ballet Teatro, que está, de facto, subaproveitado. Têm lá estado as marionetas, mas fora disso não tem havido nada.
Mas também é preciso ter em atenção que acolher um espectáculo custa dinheiro. E neste momento não existe investimento do Estado e, principalmente, da Câmara para esses acolhimentos.

Na sua opinião, qual o espaço na Invicta com melhores condições para um espectáculo de teatro?

Existem vários; o TNSJ, o TECA e o Rivoli têm óptimas condições. O Sá da Bandeira é um teatro que precisa de ser recuperado, mas, na minha opinião, é o melhor teatro que a Invicta tem.

Nos últimos tempos não se verifica a criação de novos espaços para o teatro. Portanto, os espaços utilizados são antigos, o que leva a que, por vezes, se constatem falta de condições de segurança para apresentação de espectáculos, como aconteceu no edifício “A Capital” em Lisboa.
Que pensa que se deve fazer para evitar este tipo de situações?

Felizmente, nos teatros onde tenho trabalhado há condições de segurança. De qualquer das formas, há algo que se deve ter em conta – o teatro não tem que se fazer em teatros (espaço). O teatro existe e pode ser feito em qualquer lugar. Qualquer sala deve seguir as regras de segurança. Se tenho uma sala com 40 metros quadrados e vou fazer um espectáculo lá dentro, a sala tem uma lotação X que responde a Y medidas de segurança. Certas medidas de segurança que devem estar sempre presentes são as saídas de emergência, a presença de extintores, etc.
Agora é verdade que se têm aberto espaços sem qualquer critério de segurança e isso é grave.

É da opinião de que os critérios de atribuição dos subsídios pelo Ministério da Cultura a uma determinada companhia ou peça de teatro passam por indicadores de gosto?

Isso já aconteceu e deu lugar a um grande movimento de contestação. Acho que as coisas ainda estão em tribunal. Aliás, correspondeu à queda do ministro Sasportes, porque entraram em critérios de gosto e não podem seguir esses critérios, porque o gosto é subjectivo. Portanto, os subsídios devem, sim, ter uma análise técnica.

Acha que há união e camaradagem entre as várias companhias teatrais em Portugal?

Não tanta como devia haver.

Acha, então, que devia haver um movimento mais forte de Associativismo Cultural?

Bom, não tenho tanta certeza que assim deva ser. Aliás, no Porto recentemente foi criada a “Plateia” e em Lisboa criou-se um outro movimento que agora não me recordo o nome. Existem alguns protocolos entre várias companhias de teatro. Não existe uma União Nacional de Teatro ou uma Associação de Actores ou uma Associação de Encenadores… de qualquer das formas acho que era importante haver união, mas também acho que é importante manter as nossas diferenças. Gostamos de uma determinada companhia porque faz espectáculos dos quais gostamos, mas não gostamos de outra companhia porque não gostamos do tipo de espectáculos que faz; não partilhamos nada artisticamente. Não é não gostar das pessoas, mas, sim, não gostar do trabalho dessas pessoas e não fazer sentido uma união.

Na sua opinião, uma razão forte para o teatro em Portugal não ser apoiado é não fazer espectáculos que convençam o público e que, por mérito, dêem o apoio sustentável tanto de organismos oficiais, como dos próprios intervenientes no fenómeno social e cultural?

O teatro em Portugal é pouco apoiado, mas é apoiado. Esta pergunta é perigosa no que toca ao “convencer o público”. Porque temos que distinguir aquilo que é arte e aquilo que é entretenimento. E, se eu faço um espectáculo de entretenimento, o meu objectivo é simplesmente entreter as pessoas, não é passar-lhes uma mensagem, pô-las a pensar – e aí o teatro deve-se sustentar a si próprio, é uma actividade comercial. Mas a criação de objectos artísticos deve ser apoiada, porque é um direito consagrado do cidadão ter acesso à cultura. Não acho que as companhias têm que ser apoiadas; o Estado pode decidir abrir teatros nacionais em todos os distritos do país, vai-lhe ficar é muito mais caro, com certeza.

Na sua opinião, existe relutância nas companhias de teatro com mais passado em evoluir, especialmente em termos culturais e artísticos?

Existe alguma. Não me parece um grande problema, porque existem novas companhias que fazem trabalhos contemporâneos. E normalmente as companhias mais antigas estão ligadas a encenadores que trabalham dentro de uma determinada estética que é a estética deles.

Acha que as companhias de teatro portuguesas mais antigas e, portanto, com um certo nome são mais apoiadas financeira e socialmente do que aquelas que começam a dar o primeiro passo, podendo assim, ameaçar o futuro do teatro?

Acho que não ameaçam o futuro do teatro.
As companhias que têm provas dadas devem ter um apoio sustentado. Pois, se uma companhia é credível e se tem um público é normal ser mais apoiada. Não estou a querer dizer que as novas não devam ser apoiadas também, mas é natural, quando não há dinheiro para todas, serem as mais antigas a receber apoios.

Na sua opinião, o teatro tem como função principal ser um agente de desenvolvimento sócio-cultural das populações? E porquê?

Com certeza. O teatro questiona-nos. É uma forma de termos acesso a autores e a histórias que não teríamos de outra forma. A ida ao teatro é um acontecimento social; ninguém gosta de ver uma peça sozinho sentado na plateia, enquanto no cinema não há problema nenhum e até às vezes é mais confortável por causa das pipocas.
A ida ao teatro é um pouco como ir à ópera, vai-se fazer algo especial e está-se com uma atenção especial.
Naturalmente, o teatro é um factor de desenvolvimento social. E, como já referi, temos acesso a textos de grandes autores e escritores. O teatro é uma linguagem directa que fala de questões universais que, portanto, dizem respeito a toda a gente.

Gina Macedo