Movendo-se no cruzamento dos universos da vídeo-arte, do cinema e da sua relação com outras formas de arte, a dupla alemã Christoph Girardet e Matthias Müller apresenta-nos uma nova experiência visual. Os artistas recorrem, em quase todo o seu seu trabalho, a uma “reciclagem” de excertos de filmes e imagens que vão metodicamente seleccionando. No labirinto de pequenos espaços da galeria, a dupla propõe-nos uma viagem em que o aspecto visual se cruza com a geografia do edifício.

Qual é o objectivo pretendido ao relacionar as vossas obras com o espaço de uma galeria? Em termos espaciais qual é o meio mais apropriado para mostrar o vosso trabalho?
Matthias Müller (MM) – Depende totalmente do tipo de trabalho. Comecei como cineasta e todas as minhas obras dos anos 80 e 90 destinavam-se a ser mostradas no cinema. Tinham uma estrutura narrativa, seguiam uma sucessão de acontecimentos e tinham um final definido, o que não acontece com as obras desta exposição. Todas foram feitas para serem expostas em galerias e tínhamos sempre um determinado espaço em mente. O nosso trabalho é geralmente mostrado num espaço mais asséptico e a Galeria Solar é totalmente diferente. Nós gostamos muito do espaço, é muito especial. A exposição chama-se “Revisitations”, e é mesmo uma espécie de revisitação de um espaço que já tinha uma história. Podemos encontrar aqui sinais das pessoas que cá viveram e foi isso de que nós mais gostamos neste espaço. A disposição dos trabalhos foi discutida pormenorizadamente.

Consideram-se enquadrados em alguma corrente estética ou cinematográfica?
MM – Nem por isso. Não temos dogmas no nosso trabalho. A comunidade do cinema experimental está presa a muitos preconceitos. Não seguimos nenhum programa estético ou artístico. Construímos os nossos próprios programas, mas eles dependem de cada projecto. Cada obra propõe as suas próprias regras.

Acham que há uma crescente vaga deste tipo de cinema experimental, que pretende construir novos relacionamentos de imagem, som e espaço, baseados numa montagem criativa?
MM – Fazer arte tornou-se mais simples e o mundo em que vivemos está saturado de imagens em movimento, em locais públicos, estações de comboio, aeroportos. Quando começámos, as coisas eram muito diferentes. Havia três canais na televisão alemã, não havia MTV nem Internet, e ir ao cinema era uma coisa muito especial. Agora é mais difícil fazer algo de novo e relevante.

Acham que o digital está a tornar o cinema mais interessante, ou pelo contrário, está a contribuir para uma redução da qualidade?
MM – Agora há muito maior acesso a dispositivos técnicos para produzir trabalhos, especialmente na área da vídeo-arte, que tem cerca de 45 anos. Mesmo nos anos 80 era difícil conseguir material profissional e hoje em dia pode-se fazer a edição em computadores, sem gastar muito dinheiro. Mas muita tecnologia pode ser um problema porque temos acesso ilimitado a imagens ou software que produz inúmeros efeitos e corre-se o risco da dispersão. O mundo está a tornar-se menos linear através do multimédia. Portanto, há a possibilidade dos trabalhos de “media art” se tornarem menos reais e mais dispersos.

É a democratização da arte?
Christoph Girardet (CG) – Eu não diria isso. A única maneira de haver uma democracia é através da Internet, porque no cinema e na televisão há os distribuidores e as companhias de produção. Nos anos 70 tentou-se abrir a televisão comercial a novas formas de arte, mas isso falhou. Penso que o único meio verdadeiramente democrático é a Internet, mas nós não trabalhamos nele.

No vosso trabalho usam muitos excertos de filmes de Hollywood. O cinema dito “mainstream” interessa-vos, ou é apenas uma referência irónica?
MM – De certa forma, nós gostamos do cinema de Hollywood. A nossa perspectiva é sempre crítica, mas trabalhamos sempre com imagens de que gostamos. Não se trata apenas de “fazer pouco”, mas sim de sublinhar determinados aspectos. Seleccionamos as imagens em termos de beleza estética, que pode vir das cores, ou de uma certa poesia que se pode encontrar ou adicionar através do som. É um trabalho com humor, mas não é suposto ser uma paródia.
CG – O material que preferimos exerce sempre uma espécie de fascínio sobre nós. Tem sempre de haver algo de enigmático ou ambivalente que levante uma questão que nos interesse. É muito fácil distanciar-nos facilmente de uma coisa que consideramos ridícula. Mas isso é superficial e limitado e não estamos interessados nisso. É muito sedutor fazer isso, porque o público adora, mas é demasiado fácil.

Nunca tiveram problemas com os direitos de autor, ao utilizarem excertos de trabalhos de outras pessoas?
MM – Felizmente não. Penso que isso se deve à lei alemã, que é muito liberal em termos de citações. Mas nós geralmente apenas aproveitamos pequenos segmentos de longas-metragens. E o material passa por muitas transformações, pelo que esperamos sempre no final transformá-lo em algo nosso, deixar-lhe uma assinatura.

João Pedro Barros
Anabela Couto