Como é que os Donna Maria vêem aquelas pessoas que negam que um fado possa ter um teclado lá por trás ou uma batida electrónica?

Marisa: Eu vejo bem… Cada um tem o seu gosto…

Miguel: Eu também pensava que o lado conservador do fado iria reagir mal a uma renovação. Mas não foi isso que aconteceu. Onde me parece que há mais reticências em aceitar estas coisas é exactamente na área dos modernos que são, muitas vezes, mais retrógrados. Ficam com muito medo de poder gostar disto ou daquilo.

Sem que eu me reveja minimamente nessa posição, há pessoas que, ao ouvirem o dueto da Marisa com o Paulo de Carvalho, pensam que aquela música é para gente mais velha e não para eles…

Marisa: Não, sabes que temos tido uma reacção completamente diferente. Nos nossos espectáculos, vejo muita gente na casa dos vinte anos e até mais novos.

Miguel: Não é a malta nova que tem reticências em relação ao Paulo de Carvalho e ao Vitorino, acho que são os mais velhos, que pensam saber aquilo de que os novos gostam.

No final dos anos noventa, houve uma tentativa de exportar a música portuguesa, cantando-a em inglês. Agora, no século XXI, parece haver uma tentativa de regresso às origens…

Miguel: No meu caso, não é um regresso às origens, uma vez que estive sempre muito ligado à música em português. Artisticamente, eu acho mais normal cantar em português. Mas costumo dizer que há duas opções para escolher a língua em que se canta: a comunicação e a estética. Há quem ache que esteticamente o inglês soa melhor. Nós optámos pela comunicação e também achamos que a língua portuguesa é bonita. Se me disseres que estamos a voltar às origens, acho óptimo porque uma cultura sem passado não tem futuro nenhum.

Mas vocês sentem essa tendência para cantar mais em português, neste momento? Há artistas que há uns anos cantavam mais em inglês e agora fazem-no em português…

Miguel: Eu espero que essas pessoas não escolham esse caminho porque “é o que está a dar”. Espero que espelhe o que elas sentem. É natural que no nosso próximo disco até haja uma faixa noutra língua…

Às vezes, pensa-se na língua portuguesa como sendo pouco flexível para escrever letras de música. Vocês concordam?

Marisa: Nas letras que o Miguel escreve, eu não acho nada difícil…

Miguel: Há que ter algum cuidado com as palavras que se escolhe, por exemplo, pelo som delas. É verdade que, para quem não percebe, a nossa língua soa meia-alemã ou meia-árabe. Mas a língua portuguesa é riquíssima, com mais opções do que o inglês.

Carlos Luís Ramalhão
Foto: Pedro Geraldes/Donna Maria