Entre as paredes do Auditório da Biblioteca Municipal de Penafiel, arranca hoje, sábado, a terceira edição do ciclo literário “Entre Pedras, Palavras”. Um evento organizado pela Câmara Municipal de Penafiel e que já trouxe a este concelho do Vale do Sousa nomes tão sonantes no mundo dos livros como José Saramago, Frederico Lourenço, Mia Couto ou Mário Cláudio.

Com uma conferência por sábado, este ano o “Entre Pedras, Palavras” prolonga-se até 11 de Junho. José Rodrigues dos Santos, Jorge Palma, Artur Portela, Ondjaki e Rui Zink, são alguns dos convidados confirmados. O JPN falou com o responsável pela organização, Tito Couto, para saber mais sobre este evento que pretende “dessacralizar os livros e os escritores”, “num ambiente de intimidade”.

Como é que nasceu a ideia de realizar o “Entre Pedras, Palavras”?

Nasceu da constatação de um enorme vazio existente no Vale do Sousa, e mais propriamente em Penafiel, na área da divulgação do livro e da leitura. Um dia, durante a inauguração da Bienal de Pintura Jovem de Penafiel, que também organizo, o presidente da Câmara Municipal, Alberto Santos desafiou-me a organizar um pequeno ciclo literário aberto ao mundo lusófono. A partir daí comecei a fazer os primeiros contactos e em 4 meses tinha programado a primeira edição, que contou com a presença, entre outros de José Saramago, Mia Couto e Mário Cláudio.

Como correram as duas últimas edições? Em Penafiel há público para um ciclo literário desta natureza?

Há público, não há é hábitos de participação. Ao fim dos dois primeiros anos conseguimos fixar um número certo de participantes, uma espécie de núcleo duro que esperamos alargar com o passar do tempo. Depois, há fenómenos que ultrapassam tudo o que imaginámos. A sessão com Mia Couto ultrapassou todas as nossas expectativas, assim como o facto de termos o átrio do pavilhão de feiras e exposições a abarrotar para ouvir José Saramago. Acreditamos que com o passar do tempo e a partir do momento em que o ciclo tenha uma casa condigna, poderemos dar um salto significativo, em termos de público.

Esta edição é mais alargada que as duas anteriores. Há uma tendência para o ciclo crescer ainda mais?

Não. Não queremos ir muito além dos 10 a 12 autores. Este é o número que entendo ser razoável, um por cada mês do ano, uma sugestão de leitura por cada mês. Era muito bom que em Portugal as pessoas lessem um livro por mês. A estrutura deverá fixar-se por aqui, sempre com o intuito de revelar jovens nomes por entre nomes conhecidos e consagrados.

Qual é o conceito formal do “Entre Pedras, Palavras?” Nos anos anteriores, os encontros foram bastante informais e intimistas…

Essa é a nossa marca distintiva, dessacralizar os livros e os escritores. Queremos mostrá-los como homens e mulheres de carne e osso, criar um ambiente em que ninguém se sinta inibido para no final colocar as questões que entender e conversar abertamente com os autores. Não queremos apresentar os livros de uma forma académica, há outros espaços para isso. Ali o que se pretende é criar um grupo largo de pessoas que gostam de livros e recebem todas as semanas um novo membro para uma conversa. Humanizamos as letras e criamos um espaço de intimidade com os escritores, que permite compreender melhor as suas obras. Nunca pensei que fosse possível criar um ambiente de intimidade como o que foi criado com o Frederico Lourenço e o Vasco Graça Moura a falar de Homero, Dante e Ronsard perante 50 pessoas, mas é possível.

Quais são os critérios de selecção dos convidados? Tentam estabelecer algum tipo de relação com a terra, Penafiel, ou guiam-se apenas pelo valor “actualidade”, em termos de publicações literárias?

A programação tenta sempre manter um padrão elevado de qualidade, apostando, por um lado, em nomes consagrados e indiscutíveis como Saramago, Mário Cláudio, Vasco Graça Moura ou Frederico Lourenço. Por outro lado, apostar na divulgação de autores menos conhecidos, mas igualmente interessantes, que é o caso do Gonçalo M. Tavares, que quando foi convidado pouca gente o conhecia e duas semanas depois ganhou o maior prémio Ler/Millennium BCP. O caso do Daniel Faria é semelhante, com a agravante de ser um autor do Vale do Sousa, com uma obra extraordinária, que era um perfeito desconhecido por aqueles lados. Hoje tem um prémio com o seu nome e até vai ser homenageado na terra onde nasceu. Tudo porque nos lembramos de falar nele, de o evocar.

Essa é uma das novidades desta edição: a entrega do primeiro “Prémio Daniel Faria”, que nasceu precisamente no seio do “Entre Pedras Palavras”. Já foi uma primeira conquista…

E não foi fácil. Por um lado porque há, infelizmente, muita gente que não percebe a escolha do Daniel Faria para dar nome ao prémio, e por outro lado porque a poesia ainda é só para um nicho muito pequeno. Ainda assim conseguimos que o prémio fosse uma realidade, conjuntamente com os herdeiros do Daniel Faria e as Quasi Edições, e tivemos mais de 100 participantes. Rui Costa foi o vencedor, com o a obra “A nuvem prateada das pessoas graves” que será apresentada e lançada no próximo mês de Maio. É um enorme orgulho poder concretizar mais este sonho e sobretudo quando temos a certeza de que ajudamos a descobrir mais um óptimo poeta.

O que destaca na programação deste ano? Vai haver outro tipo de iniciativas para além das conferências?

Vamos lançar pontes entre a literatura e outras formas de arte, como o cinema e a música. Estamos a ultimar pormenores para conversar sobre cinema e livros com o jornalista da SIC Mário Augusto, [o radialista] Álvaro Costa e o cineasta António Pedro Vasconcelos – três óptimos conversadores. O Jorge Palma vem falar e cantar sobre o seu livro “Na terra dos sonhos” que reúne poemas e letras escritas ao longo da carreira. No mesmo registo das restantes conversas, Jorge Palma cantará algumas das suas músicas mais emblemáticas.

Anabela Couto