Crítico da política cultural actual, Filipe La Féria faz o balanço da estreia de "Menina do Mar" no palco do Sá da Bandeira.

Que balanço faz da estreia?

É muito positivo. É muito reconfortante para o coração, porque tudo isto dá muito trabalho. Sobretudo porque o Teatro Politeama, em Lisboa, tem muitas condições e o Teatro Sá da Bandeira precisa de uma grande recuperação. Calculem o esforço que é preciso para pôr os actores a voar. Tiveram de vir técnicos da Holanda. Para fazer um espectáculo aparentemente simples, é tecnicamente muito complicado. Mas acho que foi um grande êxito e faz muito bem ao coração ver aqui milhares de crianças que vêm aplaudir – muitos pela primeira vez – as palavras maravilhosas de Sophia de Mello Breyner.

Esta é uma peça protagonizada por um elenco muito jovem. É importante enquanto encenador estar presente no dia de estreia?

Sim. É fundamental! [risos] É como um filho que não podemos deixar ao abandono. Aliás, esta versão teve quatro substituições, entre as quais a Rosete e a Helena Montez, porque os outros actores estão noutras produções no Teatro Politeama. Mas fazem os seus papéis maravilhosamente. Aliás, acho que o espectáculo aqui está com mais força do que no Teatro Politeama.

Neste momento tem em cena a “Menina do Mar” e a “Rainha do Ferro Velho”. Qual é a diferença de realizar um espectáculo para adultos e um espectáculo para crianças?

Há bons e maus espectáculos. Eu dou sempre tudo o que tenho e puxo sempre os espectáculos ao máximo, sejam para crianças ou para adultos, comédias, revistas, ou teatro de texto mais alternativ. Faço sempre o melhor que posso com toda a paixão. Acho que o segredo do sucesso é, como dizia Fernando Pessoa: “Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui”. Portanto, damos toda a nossa alma ao que nos propomos fazer, porque a minha forma de viver é o teatro!

Mas a política cultural do país nem sempre ajuda?

Penso que o teatro é muito abandonado pela política cultural portuguesa. Digo isso muitas vezes nas televisões e nas rádios. Não se olha para este público que representa o futuro! Estas crianças nunca mais irão esquecer o dia de hoje em que foram ao teatro e viram “A Menina do Mar” e vão gostar de teatro.
Aposto que para a maior parte delas foi a primeira vez que vieram ao teatro! Elas nasceram com a televisão aos gritos em casa, com toda a estupidificação que esta proporciona. Dar beleza, sensibilidade, magia, dar poesia ao fim e ao cabo, é a melhor homenagem que podemos fazer a Sophia de Mello Breyner.

Qual a razão da escolha do Teatro Sá da Bandeira para receber as suas produções?

Porque não há outro. Os teatros são sempre do Estado. Obedecem ao que o Estado quer. Se formos para outra cidade temos sempre os teatros do Estado. Sou contra esta dependência tão grande que os artistas têm perante o Estado. É por isso que nem concorro aos subsídios. O meu grande subsídio é o público.

O público do Porto tem mostrado um grande interesse em ver o Filipe La Féria a adoptar o Teatro Sá da Bandeira. Essa situação será possível?

O Sá da Bandeira é de uma empresa particular e está em condições muito más. Portanto, sozinho não posso. Não tenho essa força, nem essa possibilidade. Mas procuro sempre vir ao Porto. Acho que o público do Porto é sedento de bons espectáculos. Talvez se abuse e se use apenas de um género de teatro. O Porto tem o Teatro São João, o Carlos Alberto, o Seiva Trupe, mas é um teatro um bocadinho distante do gosto do público.

Por exemplo, o Politeama, e todo o meu trabalho, tem sido um teatro alternativo que não depende do Estado e consegue viver do público, sem lhe dar má qualidade. É um teatro sofisticado e com bons textos. O que pretendo é abrir um leque variado de oferta ao público, porque acho que existe muito pouca oferta em Portugal. Só há um único género de teatro para um público que se acha mais inteligente do que os outros.

A cultura é sempre um privilégio de classe e eu luto – até pela minha formação – contra isso. Acho que o teatro é para todos. Devemos dar um leque variado de oferta para que a vossa avó, os vossos pais e os vossos filhos possam ir ao teatro.

Mas porque é que não há mais estreias a partir do Porto?

Porque não há condições. Prende-se muito com a política cultural. Tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata nunca olharam para estes problemas. Esta nova geração está muito condenada, porque há trinta anos que só se ajudam sempre as mesmas pessoas…

Mas porque é que o próprio Filipe La Féria não estreia cá no Porto? Há algum motivo em especial?

Não há nenhum motivo. Teria público, mas também tinha de ter casas. Se for para o Coliseu, as percentagens são altíssimas. Aqui no Sá da Bandeira a percentagem também é altíssima. Tem de haver incentivos. Por exemplo: aqui conseguimos fazer estas obras porque a Câmara comprou os bilhetes e nós pagámos estas obras numa casa que não é nossa. Em Maio vamos embora. Mas isto já corresponde a um desejo de querer fazer espectáculos cá no Porto.