Idealmente, esta seria uma noite de estreia na cidade do Porto. A entrada em palco de “A Lei de Sócrates” pela mão da companhia As Boas Raparigas vão para o Céu, as Más para Todo o Lado foi substituída por uma venda. O Estúdio Zero foi hoje a montra do espólio da companhia. Pelo chão e nos cabides vendem-se dez anos de história.

Pela voz comovida de Maria do Céu Ribeiro perpassam as memórias contidas em cada objecto que está hoje à venda. Até à meia noite de hoje o espólio da As Boas Raparigas está à venda para fazer face às despesas correntes. “Não é possível funcionar sem pagar electricidade, telefone ou Internet”, desabafa a actriz Maria do Céu Ribeiro.

A situação da As Boas Raparigas deriva da crise que afecta por estes dias o teatro do norte. O último concurso do Instituto das Artes para a atribuição de verbas para os próximos dois anos para as companhias de teatro nacionais está envolto em polémica. As queixas das companhias nortenhas passam pela insuficiência de verbas que lhes foram destinadas e pela alegada incompetência da comissão avaliadora. A 28 de Abril surge uma providência cautelar interposta pela Panmixia – Associação Cultural, que não recebeu qualquer tipo de verbas, como forma de protesto “contra o júri” que, diz José Carretas da Panmixia, “cometeu três pecados: ilegalidade, parcialidade e desigualdade”,

A decisão da Panmixia recorrer aos tribunais contribui para o agudizar da situação do teatro do norte. Enquanto o processo permanecer na justiça, as verbas destinadas à região norte estão congeladas.

Teatro do norte em risco

“Optámos por ficar em dívida no banco para estrear o próximo espectáculo, mas depois de Julho temos que pagar o empréstimo”, afirma Jorge Mendo do Teatro Bruto. O próximo projecto do Teatro Bruto será uma co-produção com o TECA. Depois do fim do espectáculo o futuro da companhia é uma incógnita. “Se o problema não for resolvido até ao fim do nosso espectáculo temos que parar. Teremos que colocar um ponto final não só com a parte criativa, mas também com a estrutura administrativa”, diz Jorge Mendo. “Muito provavelmente teremos que fechar”, remata.

O risco de ruptura parece ser uma realidade para a maioria das companhias nortenhas. Nem as mais antigas e mais fortes parecem capazes de resistir numa actividade que não nega a sua subsidiodependência. “Toda a nossa actividade foi feita à base de empréstimos, agora sem as verbas, toda a nossa capacidade de endividamento desapareceu”, afirma António Reis da Seiva Trupe.

Mesmo a Seiva Trupe, que é a maior companhia do Porto e aquela que mais verbas recebia, encontra-se, actualmente, a viver uma situação complicada. Com a regionalização da atribuição dos subsídios, aquela que era “a nível nacional a quinta companhia mais forte passou, agora, para o vigésimo quinto posto”, acusa António Reis.

A Seiva Trupe acabou por se ver prejudicada com a insuficência de verbas atribuídas à região norte e vive agora uma altura de indefinição com empréstimos e salários por pagar.

Mariana Teixeira Santos
Foto: As Boas Raparigas