Há 130 anos Rafael Bordallo Pinheiro criou uma das figuras que melhor sintetiza as qualidades e os defeitos do português ou, pelo menos, de uma certa ideia de “ser português”.

“O ‘Zé Povinho’ continua a ter actualidade hoje. E nos últimos tempos isso tem-se verificado ainda de forma mais evidente”, defende o sociólogo Eduardo Rodrigues. O docente de sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) justifica a actualidade da figura de Bordallo Pinheiro com a actual “massa de pessoas que se sente relativamente injustiçada, por referência a uma estrutura social debilitária, discriminatória”.

De telemóvel na mão e cara de relativa tristeza

É assim que Eduardo Rodrigues acredita que Rafael Bordallo Pinheiro desenharia o “Zé Povinho” de hoje. “Teria um menor cunho trocista. Acho que o português da actualidade tem menos de trocista e mais de desesperado, de desalentado, nomeadamente o português urbano”, afirma o sociólogo.

Eduardo Rodrigues vai mais longe e dá largas à imaginação: “Criaria seguramente uma figura com telemóvel na mão e uma cara de relativa tristeza”, diz. “No fundo é a cara que encontramos todos os dias nos autocarros, a cara do desespero e seria também alguém um bocadinho mais envelhecido do que o ‘Zé Povinho’ e sem o sorriso que o caracteriza”, acrescenta.

Uma melhor democracia

O professor de sociologia da FLUP pensa que só uma “melhor democracia” ajudaria a melhorar a imagem negativa que os portugueses têm de si. “Uma democracia em que as pessoas participam, em que partilham as decisões, uma democracia em que os políticos são justos, sérios, tomam medidas acertadas e não populistas”, defende Eduardo Rodrigues.

Eduardo Rodrigues acredita que “há uma dose de desconfiança grande relativamente às pessoas e às instituições” e considera que o sentimento pessimista e de desconfiança dos portugueses “só se recupera com uma melhor democracia”.

130 anos depois da primeira publicação, o homem de calças remendadas e botas rotas, a eterna vítima dos partidos regeneradores e progressistas, a imagem do povo português, continua a “povoar o imaginário lusitano”, afirma o professor da FLUP.

Andreia Ferreira
Foto: DR