A sua escrita é muito baseada naquilo que lê, em muita pesquisa histórica. Mas como é que é possível escrever um livro sobre Goa sem lá ir uma única vez?

Faço sempre um primeiro período de investigação, que dura entre quatro a seis meses, em que procuro todos os livros que posso sobre o tema. Neste caso [de “Goa ou o Guardião da Aurora”], procurei livros sobre Goa de finais do século XVI, inícios do século XVII, o que hoje em dia é muito fácil com a Internet. As livrarias electrónicas têm livros que já se encontram fora do mercado, que já não são publicados.
Depois desse período de leitura, acabo por ter uma imagem bastante concreta do local na minha cabeça. Posso ver as ruas, as paisagens, as plantas, os pássaros, fico a conhecer um bocado da comida, da roupa. E só depois disso é que começo a escrever o livro. E, à medida que vou escrevendo, ainda faço mais pesquisa para preencher as lacunas que possam surgir.

O livro “Hunting Midnight” tem várias passagens aqui no Porto. Imagino que tenha sido mais fácil…

Em parte sim, porque conheço bastante bem o Porto. Além disso, o Porto dos princípios do século XIX não é muito diferente do Porto de 2005. As ruas, os edifícios e as praças não são muito diferentes, pelo que o meu contacto diário com a cidade ajudou muito. Mas, por outro lado, saber do dia-a-dia do portuense em inícios do século XIX não foi tão fácil como isso. Saber o que é que as pessoas do Porto comiam, vestiam, quais os assuntos mais falados, qual a relação entre o Porto e Lisboa, essas coisas do dia-a-dia das pessoas nem sempre são fáceis de encontrar, principalmente para uma pessoa que vem de outro sítio. Tive que ler muitos livros até conseguir desenvolver uma imagem clara da cidade nessa altura.

Já se fala no próximo livro. Passa-se na Alemanha dos anos 30. E é também sobre a família Zarco…

Sim. Mas antes disso vai sair outro livro que em inglês tem o título “Searching for Sana”. Acabou de sair em Inglaterra. É sobre duas mulheres, uma palestinina e outra israelita, sobre a sua amizade e o que lhes acontece desde a infância, em Haifa, Israel, até 2004. É uma história baseada nas minhas próprias experiências. Ou seja, é uma mistura de ficção e de memórias.

Essa é uma história baseada em factos verídicos. Conheceu mesmo uma das personagens…

Exacto. É um romance um bocado estranho porque eu sou um dos personagens do livro. E é sempre muito difícil falar do livro porque eu não sei se estou a falar de mim ou do personagem do livro. Na literatura há vários escritores que já criaram versões da sua própria personalidade, uma espécie de “alter ego”, mas a ideia de pôr o próprio autor no livro é uma situação um pouco marginalizada na literatura. Esta é a primeira vez que estou a tentar isto e estou curioso para ver a reacção do público.

E não há também uma certa tendência dos escritores de associar o perfil psicológico de pessoas que estão à sua volta às personagens dos livros?

Em minha opinião, esse é um perigo. Conheço escritores que fazem isso e que tiveram péssimas experiências porque os amigos, amantes e familiares reconheceram a sua própria personalidade ou o aspecto físico no livro e não ficaram satisfeitos. Daí que seja um perigo para o autor fazer isso. Normalmente, evito essas situações. Nos meus livros, se calhar, estou influenciado pelas pessoas que me rodeiam, mas não consigo identificar qualquer personagem dos meus livros com alguém que me é próximo. Até porque isso, para mim, também representa falta de imaginação por parte do autor. Consigo imaginar os meus personagens sem eles terem qualquer relação com as pessoas que eu conheço.

São personagens meramente ficcionais…

São pura ficção, embora, evidentemente, sejam uma desconstrução da minha própria personalidade e das minhas próprias experiências. É uma fraccionalização do eu.

Texto e foto: Anabela Couto