Integrou o movimento Poesia 61, que, se interpreto correctamente, considerava que a poesia não devia perder um certo misticismo, uma certa abstracção do real. Qual a sua opinião sobre os chamados “poetas do real”?

A poesia é o real absoluto e se, para se encontrar um homem, precisamos da tal lanterna, a de Diógenes, calcule o que é preciso para se encontrar um poeta. Coisa que nem se sabe logo. A maior parte dos poetas que se intitulam do real são-nos apenas do trivial, no sentido menos nobre desta nobre palavra: três vias. É por isso que há tanta gente a escrever poesia e tão poucos poetas. Mas isto é outra história. O tema da “Poesia 61” (que de facto deu uma volta à poesia portuguesa da altura, por ter insistido no peso profundo e concreto das palavras) não me interessa muito. Isso foi um episódio, embora significativo, no meu percurso. Mas o essencial veio depois, e ainda está a vir…

Tem mais de 40 livros publicados, é presidente do PEN, dirige festivais de poesia. É um profissional das letras? Acha que viver exclusivamente para as letras faz melhores escritores, ou acha que os livros se podem escrever em qualquer circunstância?

Os poemas escrevem-se antes e dentro e sempre quando a via é essa. Num dos meus últimos livros, de aforismos, a referida Da Frágil Sabedoria, a dedicatória era assim: “Este livro, que vem sendo escrito desde os anos setenta, vai dedicado aos engarrafamentos de Lisboa, às esperas nos aeroportos e às praias desertas”. Anos, por vezes dezenas de anos, para completar o tal texto que nos acompanha, como se vivesse num enorme zoo interior; capacidade de escrever sob todas as circunstâncias, adaptando os temas e as formas (engarrafamentos? Aforismos); preenchimento dos vazios negativos – por exemplo as longas horas forçadas nos aeroportos, e dos vazios gloriosos – um corpo nu ao longo das praias desertas…

Andreia C. Faria

Imagem: PEN CLube Português