Numa altura em que decorre a retirada dos colonatos judaicos da Faixa de Gaza e do Norte da Cisjordânia, é importante analisar-se o porquê da retirada e que mudanças vão ocorrer entre Israel e os palestinianos. O JornalismoPortoNet entrevistou por e-mail Ira Sharkansky, professor de Administração Pública no Departamento de Ciência Política da Universidade Hebraica de Jerusalém e autor de livros sobre o confronto israelo-palestiniano e a orientação política de Israel.

Qual é o objectivo de Ariel Sharon com uma evacuação unilateral dos colonatos em Gaza?

Eu acredito na palavra dele. Ele anunciou o plano a meio da Intifada, numa altura em que não era possível negociar com os palestinianos. É um plano essencialmente unilateral: aliviar Israel dos custos humanos de defender colonatos que teriam de ser removidos, eventualmente.

Apesar da evacuação dos colonatos, a Faixa de Gaza vai continuar a ser um território ocupado?

Depende do que quiser dizer com “ocupado”. Se os palestinianos continuarem a atacar os israelitas, as IDF (Forças de Defesa Israelitas) vão retaliar. Contudo, eu prevejo que a situação se torne como a do Sul do Líbano. O Hamas, tal como o Hizbollah, vai causar ocasionalmente tragédias individuais com os seus “rockets” ou morteiros, ou em incursões de pequena escala. Israel irá responder, talvez com artilharia (nunca usada até à data nesta Intifada), e/ou com o encerramento das fronteiras aos trabalhadores de Gaza. Esta é uma arma que não causa danos físicos, mas que causará grandes estragos à economia de Gaza. Por outras palavras, as tensões entre Israel e Gaza, tal como entre Israel e o Líbano, manter-se-ão, mas com pouca intensidade. Os cidadãos do Líbano e de Gaza saberão que Israel pode causar grandes danos, e – se se mantiverem racionais – irão restringir os seus fanáticos.

O Hamas considera a retirada dos colonatos uma vitória, pelo menos a nível militar. Qual vai ser o próximo passo para os movimentos radicais palestinianos? O que vai acontecer se o Hamas ou a Jihad Islâmica decidirem usar a Faixa de Gaza como base de operações contra Israel? Terá a Autoridade Palestiniana (AP) força para impedir estes movimentos de romperem as negociações com Israel?

Esta é a pergunta mais difícil que coloca. O meu palpite é que [o secretário-geral da AP] Abbas vai continuar a debater-se, e vai continuar a falhar sempre que o Hamas ou outro grupo violento agir. Israel retaliará nesses casos, talvez mais livremente e violentamente do que nos últimos tempos. Pela política oficial israelita, Gaza será entregue. Se desse território vier violência, a reacção pode vir a ser extrema.

O que espera Ariel Sharon dos palestinianos depois da retirada?

Provavelmente não muito. Os palestinianos e as suas autoridades têm muito pouca credibilidade junto de quase todos os segmentos da população de Israel e de grande parte das autoridades israelitas, excepto da extrema-esquerda (que vai até ao partido Meretz-Yahad, mas não abrange o partido Trabalhista). Isto é, a liderança dos trabalhistas não espera muito dos palestinianos. Eles estiveram entre os líderes do muro. A expressão era: manter os palestinianos “lá”, enquanto Israel se mantém “aqui”. Reparei que não pergunta sobre o muro. É uma falha significativa da sua parte. Provavelmente o muro vai desempenhar um papel importante no curto e médio-prazo.

Alguns analistas dizem que o plano de retirada de Sharon foi concebido para expandir o controle sobre os colonatos da Cisjordânia e de Jerusalém Este. Pensa que Ariel Sharon estará disposto a evacuar essas duas áreas no futuro?

Os maiores colonatos não. Ele está a evacuar colonatos menores na Cisjordânia. Jerusalém Este é uma questão difícil. Parece mais importante ao Likud (direita, liderado por Ariel Sharon) que aos trabalhistas. O partido Trabalhista ofereceu-se para entregar os bairros árabes de Jerusalém Este em 2000. Por isso depende de quem ganhar as próximas eleições em Israel. Mas se a violência continuar, o partido Trabalhista vai ter uma árdua tarefa em sair do seu buraco actual.

Pode-se considerar a retirada de Gaza como uma estratégia de distracção, então?

Não diria distracção. Diria que é uma estratégia para livrar Israel de um fardo de segurança caro.

Pensa que os confrontos entre o Governo israelita e a extrema-direita religiosa vão escalar depois da retirada ou acalmar?

Outro problema sério. Até agora a vasta maioria de líderes religiosos tem-se contido na sua oposição. A população de Israel é uma componente vital do Judaísmo, e é importante para os líderes religiosos um mínimo de união.

Tiago Dias
Foto: Rafah Pundits Radio