É difícil encontrar as coordenadas para uma definição exacta, mas o X-Fetch situa-se algures entre a ficção e a realidade. Na verdade, as fronteiras entre ambas esbatem-se de tal forma que os limites entre os dois campos tornam-se praticamente indistinguíveis.

Deste cruzamento entre as duas “plataformas” – real e virtual – nasceu “um jogo georeferenciado de realidade mista”, define Daniel Santos, um dos mentores do projecto.

X-Fetch não é do mundo dos jogos de vídeo tradicionais, mas é fruto da imaginação e do empenho de dois finalistas do curso de Som e Imagem da Universidade Católica do Porto – João Rema e Daniel Santos. Tudo começou no último ano lectivo como um projecto académico de final de curso. A ideia cresceu e esta é já a segunda edição do evento.

Hoje, sábado, a Escola das Artes da Universidade Católica, no Porto, promove a segunda versão do X-Fetch. Duas equipas de três jogadores vão andar pelas ruas da Foz do Porto em busca de pistas que conduzam a uma mala misteriosa…

“Podia ser um filme”

A história é simples, mas ultrapassa em muito o campo da ficção. Xavier, a personagem principal do jogo “foi despedido de uma empresa porque sabia demais. Detinha informação confidencial, e estava a fazer contra-informação”, adiantam João e Daniel.

O objectivo do Xavier é rodear-se de um grupo de colaboradores para, assim, conseguir reunir a informação que está espalhada pelo Porto. “Há uma mala, que anda a circular pela cidade e que contém a informação que o Xavier almeja”, continua Daniel. É a ela que os jogadores pretendem chegar. Antes que caia em mãos erradas.

“Podia ser um filme”, concordam Daniel e João. “A história é básica – é um policial -, e a mais-valia é a prestação dos jogadores”.

“É como um peddy-paper”

Engana-se quem pensa que o X-Fetch é um vídeojogo comum. As duas coisas não são, aliás, comparáveis, avisam os autores, que definem o X-Fetch como “mais uma opção de entretenimento”.

“É como um peddy-paper”, compara João Rema. “É uma caça ao tesouro, mas usando novas tecnologias”.

Eis as regras do jogo: cada equipa tem três jogadores, sendo que dois deles movimentam-se no espaço real (no caso, pelas ruas do Porto) enquanto o terceiro fornece pistas e coordenadas a partir do interface de um computador fixo.

Os dois jogadores que circulam pela cidade estão equipados com um telemóvel 3G (terceira geração) e um computador portátil com adaptador GPS (Global Positioning System, ou sistema de posicionamento global – dá as coordenadas de um lugar desde que haja um receptor de sinais) para localizar jogadores e para estes localizarem pistas.

Trata-se de um “jogo colaborativo”, em que os jogadores de campo “nunca conseguem fazer nada sem interagir com o jogador que está no laboratório”, explica Daniel. Quanto às pistas, estas “tanto podem estar no mundo real como no interface”.

“Big brother”

Desde a fase de pré-selecção dos jogadores, que começou há um mês, até hoje, os seis participantes escolhidos viram a sua vida envolvida no X-Fetch. Literalmente.

O objectivo é fazer com que os jogadores fiquem “imbuídos na história”, explica Daniel Santos. E ficam mesmo. Num blog, são deixados recados e pistas para os participantes: há fotografias das casas de cada um deles, mas… quem sabia as respectivas moradas? Há ainda avisos de emboscadas que podem acontecer a qualquer momento, e os jogadores sentem-se verdadeiramente vigiados.

“Durante uma semana, fizemos acções de vigilância e invadimos a privacidade dos jogadores para fazê-los viver a história”, conta um dos criadores do X-Fetch. Tudo gira em torno de “um condicionamento psicológico”.

“É uma espécie de Big brother”. Daniel arrisca a comparação, e define o X-Fetch como “um jogo psicológico” centrado numa “acção de vigilância”.

“Quisemos construir uma narrativa suficientemente imersiva para que o jogador não tenha a noção dos limites”, explica Daniel. E brinca: “pretendemos provocar a esquizofrenia nos jogadores”.

Provocar uma “revolução industrial”

A longo prazo, o objectivo de Daniel Santos e de João Rema é reduzir toda a parafernália de equipamento (computador portátil com GPS e telemóvel 3G) e “compactar tudo num único aparelho”.

Para já, tudo depende de uma logística grande a nível de colaboradores, conta Daniel. Mas, “o ideal seria fazer uma revolução industrial e substituir as pessoas por tecnologia”.

Concordam que o projecto é ainda “experimental”, mas não recusam ambições maiores: “Sabemos que [a ideia] tem potencial para ir mais longe”, e “o nosso interesse é investigar e experimentar mais coisas associadas a isto”, confessa Daniel Santos.

Lamentam, contudo, que este género de projectos estejam ainda reduzidos a “nichos muito específicos”, mas revelam que querem alargar horizontes e “maturar ideias”. Quanto à investigação, esta será direccionada para “dois campos muito vastos: as novas tecnologias e o argumento interactivo, com base em narrativas de realidade mista que resultam do cruzamento entre o real e a ficção”, esclarecem.

Ana Correia Costa