Da Praça da Liberdade à General Humberto Delgado, todos os portuenses ouvidos pelo JPN foram unânimes na opinião: as alterações previstas para a Avenida dos Aliados, no Porto, delineadas no projecto de requalificação traçado pelos arquitectos Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto Moura, não são bem vindas.

De todas as modificações, a substituição do pavimento da avenida (o projecto contempla a substituição da calçada à portuguesa por cubos de granito em forma de cauda de pavão) é, de longe, a mais controversa.

A modificação é já bem visível junto às bocas de entrada e saída da estação de metro dos Aliados, onde os cubos de granito contrastam com o calcário e basalto da calçada portuguesa.

Os portuenses ouvidos pelo JPN apontam o “cinzentismo” como principal desvantagem do projecto de requalificação e referem que o local vai ficar “descaracterizado”. A opinião de que a população deveria ter sido consultada é praticamente unânime.

Pavimento “vai ficar feio depressa”

Célia Vasconcelos, empregada no Café Aliança, na Avenida dos Aliados, defende que o antigo passeio em calçada à portuguesa, “mais bonito”, “não devia ser substituído”.

“Este [passeio em granito] vai ficar feio depressa”, argumenta, sustentando que o novo pavimento “vai sujar-se muito mais depressa” – o tom de voz é calmo e pausado, sugerindo a indiferença típica de quem já se resignou há muito.

“Nunca mais é o que era”, interrompe um cliente. Célia continua a desfiar críticas: “teria sido bom fazer uma discussão”. Conta que ouve comentários dos clientes, principalmente dos mais velhos, porque “as pessoas mais novas nem falam” das obras. “A maior parte é contra”, nota.

Mais incisiva, Antónia Osório diz estar “completamente contra” as obras de requalificação dos Aliados, e critica aquilo que considera ser “uma triste miséria de calhaus”: “Só calhaus, só pedras. Não há nada de poético. Eu não gosto disto”.

A crítica atinge o tom de indignação: “A população deveria ter sido consultada. Não tolero que tenham estragado uma avenida destas”. Antónia Osório inclui o Metro no pacote das críticas, e não hesita em afirmar que as estações “não deviam ter sido feitas ali [na Avenidas dos Aliados]”.

“Por que é que o Siza Vieira há-de fazer tudo?”

Já Nuno Ferreira diz não lamentar a ausência de discussão pública. Pelo contrário: “O nosso povo é tão sem jeito que isso não adiantava nada”, sustenta.

O proprietário da tradicional Casa Januário, situada a poucos metros da Praça General Humberto Delgado, tem “pena que a Avenida não fique com o cunho que tinha” e arrisca um prognóstico: “vai ficar mais feia”, “cinzenta” e “descaracterizada”.

“Por que é que, agora, neste país, o Siza Vieira há-de fazer tudo?”. Por isso, avança uma alternativa: a requalificação dos Aliados “devia ter sido entregue a jovens arquitectos paisagistas”.

Fernando Xisto, empregado num quiosque de rua em plena Avenida dos Aliados, diz que a “única vantagem” do novo pavimento é a de ser “mais difícil haver falhas”, como buracos. De resto, aponta a fraca capacidade de reflexão da luz solar como o grande inconveniente do granito: “Isto já é escuro e, com aquele piso cinzento, mais escuro fica. Para já, pelo menos, quando há sol ele ainda bate no chão e recebemos um pouco de luz”.

“A cidade não tem nenhum atractivo”

Já na Praça da Liberdade, também Augusto Correia, empregado na Confeitaria Ateneia, discorda das alterações que vão ser introduzidas pelas obras naquela área e mostra-se indignado com a eliminação do jardim: “não deviam retirar os jardins do meio [da Avenida]. Davam muito mais vida à cidade”.

Augusto Correia aponta a crescente desertificação do Porto como consequência provável das constantes obras de requalificação de alguns dos espaços mais emblemáticos da cidade, enquanto recorda que “muita gente ia para o jardim [da Avenida dos Aliados] passear, e levavam as crianças”. “Agora, o que é que há ali? Nada! A cidade não tem nenhum atractivo”, lamenta.

A substituição do pavimento também merece reparo: “este fica mais bonito do que aquele que está agora junto ao Metro”, aponta. Augusto Correia conta ainda que ouve reclamações de clientes lisboetas que costumam parar na Ateneia: “perguntam o que aconteceu na Avenida dos Aliados, e dizem que estragaram a cidade”.

Ana Correia Costa
Foto: Pedro Sales Dias