Fernando Lanhas, arquitecto de formação, pintor, arqueólogo, astrónomo e desenhador, recebe hoje, terça-feira, o grau de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto (FBAUP).

A cerimónia decorre às 11h00, no auditório da faculdade. A acompanhar a atribuição do doutoramento, está a inauguração da exposição “Lanhas c.1945”, em torno do processo criativo de Lanhas enquanto estudante da Escola Superior de Belas Artes do Porto. A exposição, patente no Museu Nacional de Soares dos Reis, abre às 16h00.

Dono de uma curiosidade incansável, Fernando Lanhas formou-se em Arquitectura pela então Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Fez – e faz – pintura. Mas os interesses não se ficariam pela arte: a ciência cativou-o da mesma forma. Porque, afinal, “o encanto é o mesmo”, confessou o arquitecto, em entrevista ao JPN.

Como convivem numa só pessoa interesses tão díspares como a arquitectura, a paleontologia, a poesia, a arqueologia, a pintura e a astronomia?

É um feitio que as pessoas têm de querer entender as coisas, sejam elas de que maneira forem. Eu não compreendo como é que as pessoas sabem tão pouco de coisas que estão ao alcance de elas saberem. Parece um desinteresse. Se eu falar com elas, elas mostram-se interessadas, mas eu volto costas e elas nunca mais ligam ao assunto.

É falta de curiosidade?

Não ligam nenhuma porque não lhes preocupa. Isso não é preciso. Não têm essa preocupação, não vivem isso. Nós somos muito diferentes, de facto. Há pessoas que vivem apenas no quotidiano e satisfazem-se com isso. E as outras coisas são o desporto, literatura, até a poesia. Mas a poesia, como a música, já é alguma coisa de notável. Como a arte. Mas tanto na música como na arte, as pessoas talvez não saibam o que ouvem ou o que vêem. Eu conheço imensas pessoas que não sabem ver arte. E conheço muito poucas pessoas que sabem ver arte, ou ouvir música. E outras artes que não é preciso citar, como seja a escultura. Eu, por exemplo, sinto mais dificuldade em ver escultura do que em ver pintura, e tenho mais facilidade em ouvir música do que em ver uma escultura.

Porquê?

Não sei. É qualquer coisa de temperamento, talvez um temperamento mais estático. A escultura mexe mais com o movimento, com o andar de um lado para o outro, sentir a forma. É mais dada ao tacto. Eu sou mais dado ao encanto de uma matemática aplicada num trabalho. Isso seduz-me mais. Também não sei explicar porquê. É porque nós somos diferentes de feitio, ou diferentes no ser. Somos diferentes no ser. É isso.

Esses seus múltiplos interesses configuram uma mera busca do conhecimento e satisfação de uma curiosidade incansável?

Mas eu não faço mais nada! É isso. É isso tudo. Porque nós vemos as coisas sempre só por fora.

E o Fernando Lanhas quer vê-las por dentro?

Não é só vê-las por dentro, é ver o que é isso. Não é uma curiosidade fácil, ou de alcance possível. Sinto que é uma curiosidade de alcance enigmático, impossível. Porque, se um dia, nós entendêssemos algumas coisas, saberíamos muito mais. Mas nós não sabemos algumas coisas, e até talvez não saibamos nunca enquanto formos assim. Mas eu julgo que nós não vamos ser sempre como somos hoje.

Então, como seremos?

A curva do conhecimento técnico, a vertigem do conhecimento que nós temos hoje, desde há cem anos para cá, aumentou muito. Eu, que estou ainda aqui a conversar, assisti a um acréscimo que incomoda. Nós não sabemos como isto pode continuar. Há dias, foi lançado mais um aparelho lá para fora para saber mais umas coisas. No princípio do próximo ano, deve chegar um depósito qualquer deixado por um aparelho que traz as poeiras que há no espaço interplanetário. Eu não faço ideia do que vem ai. Estou morto para ver, porque gostava, um dia, de pôr um retrato dessas poeiras, que devem estar distantes umas das outras a distâncias cósmicas, enormes, de quilómetros. Uma poeira aqui, outra poeira a uns tantos quilómetros, e tudo isso faz estrelas. Julgo que não tem capacidade para compreender o que eu estou a dizer. Eu também não tenho.

Como é que a arte e a ciência convivem de forma tão vincada na mesma pessoa e são motivo de exploração tão aprofundada?

Porque o encanto é o mesmo – procurar saber, compreender. Noutro dia, escrevi sobre gavinhas. As gavinhas são aqueles apêndices que saem de algumas plantas – claro que uma árvore não tem gavinhas, não precisa. Mas a videira e a ervilha têm gavinhas porque precisam. Mas o mecanismo continua ainda um enigma para nós. Eu digo nós, os sábios, os especialistas, aqueles que só sabem ver isso. Os estudiosos só sabem de determinada coisa, e isso é muito curioso. Ou seja, há sábios que sabem de pouco, mas são sábios. E são eles que dão a informação àqueles outros que não são tão sábios, mas que pensam na totalidade, numa espécie de filosofia natural.

Ana Correia Costa
Foto: CMP [PDF]