Os ponteiros do relógio apontam para as 15h35. Dulce Andrade percorre freneticamente o exíguo espaço da Poetria, no Porto, junto do Teatro Carlos Alberto, a única livraria do país exclusivamente dedicada à poesia e ao teatro, na tentativa de acudir a todos os clientes – aos que chegam e aos que esperam para serem atendidos.

Desfaz-se em desculpas perante os que aguardam atendimento há alguns minutos, e assegura que a “colega está quase a chegar”.

O aglomerar de clientela na livraria não é assim tão usual, e a ocasião é, de facto, especial: os potenciais compradores estão a aderir a um apelo lançado pelas proprietárias da Poetria aos seus clientes, em que se pede ajuda para “vencer a crise”.

A “colega” é Dina Ferreira, e é ela quem explica ao JPN toda a história: “achamos que temos uma relação suficientemente boa e, até, afectiva com as pessoas que estão na nossa base de dados, e pensamos que poderíamos fazer este apelo”.

Compra de um livro pode salvar livraria

A convocatória chegou aos clientes por e-mail ou carta, conforme o caso, apelando à compra de um livro de poesia ou teatro para ajudar a Poetria a “vencer a crise”.

Se cada cliente cadastrado na base de dados da Poetria – e são já mais de 500 – adquirir um livro, existe, de acordo com a contabilidade das duas sócias, a possibilidade de salvar a livraria. “Pelas contas que fizemos, se as pessoas comprarem um livro por 10 euros, pensamos que, neste momento, conseguimos ultrapassar esta asfixia económica”, refere Dina Ferreira.

“A sua intervenção poderá evitar o desaparecimento da única livraria na Península Ibérica onde só moram livros de poesia e teatro”, alerta o texto enviado aos clientes.

Poetria pode fechar em meio ano

O apelo termina com dois versos de Manuel de Freitas: “Abraça-me com força/agora que vou morrer”. Dina Ferreira admite mesmo a hipótese de a Poetria desaparecer do roteiro das livrarias portuenses daqui por meio ano, caso não seja possível recuperar do prejuízo acumulado.

Entretanto, o movimento na livraria cessa. Dulce anda às voltas com uma capa de arquivo, que deverá conter os últimos apontamentos da contabilidade da loja, e vai corroborando o relato da sócia.

Apesar de reconhecerem que todos os dias vendem livros, as sócias admitem, porém, que tal “não tem sido suficiente” e que, apesar das mais-valias de que a Poetria goza por ser uma livraria especializada, a especificidade temática torna, contudo, mais difícil enfrentar potenciais crises no volume de vendas.

“As livrarias generalistas podem cobrir o prejuízo com ‘best sellers’, como o Miguel Sousa Tavares ou o Lobo Antunes, mas em teatro e poesia não há best-sellers”, argumenta Dina Ferreira.

A responsável da livraria revela que “as pessoas têm respondido” a esta “última tentativa” de salvamento da Poetria, e refere que a iniciativa é “interessante como teste”, porque, argumenta, “poesia e teatro costumam ser géneros para intelectuais e, no entanto, nota-se que há interesse em que isto não acabe”. E isso “é porque a poesia tem valor para uma série de pessoas”, conclui.

Se este “ponto crítico” for ultrapassado, Dina e Dulce pretendem criar um clube de amigos da Poetria com direito a cartão de descontos, a partir de parcerias que poderão ser criadas com entidades culturais da cidade, como o Teatro Carlos Alberto ou o Teatro Campo Alegre.

Entretanto, as duas sócias procuram superar o prejuízo acumulado, a que se soma a renda das duas lojas, e encontrar um sócio ou mecenas, “alguém que tivesse coragem para apostar numa livraria de poesia”, porque, “apesar da boa recepção que tem havido” por parte dos clientes da Poetria, o futuro “ainda é uma incógnita”.

Texto e foto: Ana Correia Costa