O que leva alguém a ausentar-se um mês de casa para caminhar 800 quilómetros num país desconhecido, apenas com o essencial na mochila? Para Rachel, que veio do Canadá fazer o caminho francês, a resposta é: solidão.

Parece paradoxal, já que a solidão é apanágio do peregrino. Mas não é.
“O caminho trouxe-me maior capacidade de apreciar as pessoas e a sua companhia”, diz Rachel. O que é que a faz continuar? “Às vezes, são os peregrinos que seguem à minha frente e que quero rever ao final do dia”.

Talvez na ausência do que nos é familiar aprendamos a dar-lhe valor. Talvez as diferentes solidões dos peregrinos, partilhadas ao fim do dia, sejam uma espécie de amizade.

Leandro caminhou 40 quilómetros por dia para encontrar a forma física pretendida. Quando começou, andou 50 quilómetros num só dia, porque “tinha uma vontade imensa de caminhar, caminhar, caminhar”. Simpático e falador, parou para conversar com cada peregrino que encontrou.

Quando lhe confessei a minha tristeza por não ter conseguido caminhar os últimos quilómetros , contou-me que, enquanto andava, percebeu que “por qualquer motivo, podia não aguentar fisicamente”. “Mas nunca ficaria frustrado, porque fiz amigos em todo o lado e dei o meu melhor. Foram umas férias de sonho”.

Rachel veio por razões diferentes das de Leandro. Mas talvez o caminho os tenha surpreendido da mesma forma, talvez o despojamento a que obriga torne as pessoas mais iguais. Com uma mochila às costas, os pés molhados e tendo como única preocupação caminhar, percebe-se o que realmente tem importância.

As coisas mesquinhas que, no dia-a-dia, nos desgastam e nos consomem o bom humor, revelam-se como são antes de se dissiparem na próxima subida mais íngreme. No caminho, na estrada que parece não levar a lado nenhum, no monte que não termina, no mar que toma de assalto o horizonte, é como se o mundo nos desse permissão de fazer parte dele.

Texto e foto: Andreia C. Faria