Olhar o incapacitado de lado, fitá-lo e fixar nele a nossa atenção. Acontece com todos. Todos os que passam na rua e encontram uma pessoa com deficiência. Todos os que vêm um incapacitado pela primeira vez.

A sociedade tem evoluído, mas nem tudo tem progredido “no sentido mais positivo” e a humanização fica, em alguns aspectos, aquém do esperado. O ser humano cresce numa “sociedade onde impera o estigma”, vincou Teresa Magalhães, do centro de reabilitação profissional de Gaia, no decorrer do III Encontro “Porto, Cidade que Pensa e Entende”, uma iniciativa do Provedor Municipal dos Cidadãos com Deficiência (na foto).

Mas para além da mentalidade, factores como uma legislação “pouco específica e pouco clara” e mesmo a resignação do incapacitado com a sua situação contribuem para manter vivos os estigmas associados aos cidadãos com deficiência. A opinião é da médica legista Helena Dura, com quem concorda Teresa Magalhães: “não é só a mentalidade. A lei também nos obriga a utilizar instrumentos errados”.

Para Dulce Coutinho, da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) do Porto, uma das “dificuldades” existentes “em Portugal no âmbito da deficiência não é a falta de legislação, mas é a desarticulação que há entre a legislação existente nomeadamente entre as orientações de cada ministério”.

De acordo com a assistente social, a lacuna mais grave será mesmo o corte radical de apoios que se verifica entre a menoridade e a maioridade. Dulce Coutinho salienta que ao alcançar a maioridade as pessoas com deficiência perdem muito dos direitos que detêm até aos 18 anos. “Parece que mudam de país”, lamentou.

Necessidade de mudar avaliação dos incapacitados

De acordo com a especialista em medicina legal do centro de reabilitação profissional de Gaia, é necessário mudar as metodologias de exames às pessoas com deficiências. A análise não deve passar apenas pela avaliação do dano físico, mas acima de tudo pelas repercussões funcionais: avaliar a afectação da actividade quotidiana, social e familiar.

A reparação dos danos, nomeadamente dos danos corporais, deve desenvolver-se num trabalho paralelo entre os tribunais e as seguradoras, de modo a verificarem de forma mais precisa o grau de incapacidade. Como referiu Helena Dura, muitas vezes o incapacitado “pode ter direito a mais coisas, para além dos ‘números’, como as ajudas técnicas”, que passam pelo apoio na integração social, familiar e profissional.

No entanto, esta barreira não tem sido fácil de ultrapassar. A médica legista explicou que “os tribunais acham que a perspectiva do perito é nefasta” e que a sua teoria passa apenas por “ver as pessoas com incapacidades e dar-lhes muito”. Na opinião de Teresa Magalhães, as pessoas não contribuem porque também acabam por se acomodar: “quanto mais coitadinho melhor, mais recebe”, diz a especialista em medicina legal.

Trabalho a desenvolver

Para ultrapassar a situação actual, é preciso desenvolver um trabalho paralelo “entre o poder político, as representações sociais e mesmo a própria sociedade”, afirmou Dulce Coutinho.

“É um trabalho que tem de ser feito em conjunto, porque nós olhamos para a diferença pelas incapacidades e não pelas capacidades. Portanto, é uma coisa que passa pelas políticas e pela legislação mas que também passa pela nossa atitude no quotidiano. Não pode ser dissociada uma coisa da outra”, explicou.

Para João Cottim Oliveira, não há “direitos adquiridos”. O provedor dos cidadãos com deficiência considera que “há um certo nível de participação na sociedade”, mas para as pessoas com deficiência a participação é muito reduzida. “Enquanto a situação não se inverter, não há evolução”, frisou o provedor.

A mudança, para Teresa Magalhães, deve começar “pelas escolas, pelas faculdades, pelos mais pequeninos, começar a ensiná-los a respeitar o outro”.

Texto e foto: Rita Pinheiro Braga