“É ir para fora cá dentro teatralmente. Às vezes, procuramos fora e temos perto de nós um universo muito rico e com muitas soluções para se explorar artisticamente”. É assim que o encenador Miguel Seabra explica a lógica do projecto “Províncias”, um conjunto de peças sobre regiões portuguesas. Uma delas, “Por Detrás dos Montes”, está a partir desta quinta-feira e até domingo no Teatro Nacional São João, no Porto.

O monólogo de um pastor, o tocar dos sinos, as danças dos caretos, o som da gaita-de-foles, o fiar da roca e os dialectos são alguns dos elementos presentes na peça. A ideia é dar a conhecer o espírito das regiões portuguesas, levando ao palco o que elas guardam de mais genuíno.

“Para Além do Tejo” foi o antecessor de “Por Detrás dos Montes” e já está prevista, para 2008, uma peça inspirada nos Açores. É o “relevo cultural” das regiões que leva Miguel Seabra a procurar a identidade dos lugares e a criar, a partir daí, uma peça de teatro.

O nordeste transmontano é uma das zonas mais ricas culturalmente e mais devotadas ao abandono. “Só nos últimos 20 anos, cerca de 40 mil pessoas saíram do nordeste transmontano e em 2006 fecharam 90% das escolas primárias”, diz.

A ausência de palavra como principal forma de comunicação é uma das particularidades da peça “Por Detrás dos Montes”. “Os espectáculos em Portugal são sempre baseados na palavra principalmente, muito conceptuais, e este não”, afirma Miguel Seabra. A peça “implica o público de uma forma activa e responsável”, acrescenta.

O uso da comunicação não verbal desperta a curiosidade do público, mas gera reacções antagónicas. “Este espectáculo é o mais polémico que o Teatro Meridional fez até hoje. As reacções têm sido extremas tal como extremo é o clima ou a vivência em Trás-os-Montes. Há pessoas que gostam muito e pessoas que não gostam nada”, refere o encenador.

A peça não pretende “retratar Trás-os-Montes”, mas mostrar “a forma como o grupo de artistas se deixou tocar pelo lugar”. Com 74 representações, a peça já foi vista por 6 mil espectadores e conta com o apoio da Câmara de Bragança, do Teatro Municipal de Bragança e do Teatro Nacional São João.

Espectáculo com muita criatividade

Para além do escasso uso da palavra, “Por Detrás dos Montes” explora ainda outros recursos. É o caso das marionetas. O encenador Miguel Seabra aponta a desertificação, a intenção de “retratar o que já lá não está” e o “desafio artístico” como as três razões que justificam o uso das marionetas.

A prevalência da vertente gestual do teatro é acompanhada com música interpretada ao vivo. A “paisagem sonora” é da responsabilidade do sonoplasta Fernando Mota. A originalidade da banda sonora já valeu ao músico uma menção honrosa do Prémio Nacional da Crítica 2006. O espectáculo foi nomeado para os Globos de Ouro 2007.

“À Manhã”, de José Luís Peixoto, estreia a 10 de Maio no TNSJ

Miguel Seabra encena também, em conjunto com Natália Luiza, “À Manhã”, de José Luís Peixoto. A peça estreou no ano passado no Teatro S. Luiz, em Lisboa, e chega a 10 de Maio ao Porto.

“À Manhã” aborda a desertificação e o envelhecimento populacional de uma aldeia alentejana e ainda a necessidade de afecto na terceira idade. Neste espectáculo, José Luís Peixoto recupera cerca de 40 palavras do léxico alentejano que já cairam em desuso.