Os Clã voltaram aos discos com “Cintura”, álbum de pop fresca lançado no início do mês. O novo álbum, o quinto do grupo do Porto, surge depois do intimista, denso e “calórico” “Rosa Carne” (2004).

O grupo continua a encarnar a imagética feminina sempre patente ao longo do seu percurso e que “Rosa Carne” acentuou. “Cintura” conta com variadas participações como Paulo Furtado, o já habitual letrista Carlos Tê, Regina Guimarães, Arnaldo Antunes e Adolfo Luxúria Canibal.

Em entrevista, depois de um “showcase” numa loja de discos, a vocalista Manuela Azevedo e o multi-instrumentista Hélder Gonçalves afirmam que, por mais que “Cintura” “apareça com este ar fresco e leve (…) foi doloroso fazê-lo, foi sofrido”.

Com o pouco tempo que passou depois do lançamento do álbum, que “feedback” é que já conseguem sentir do público?

Manuela Azevedo (MA) – A primeira semana de vendas correu muito bem. Devemos ter tido aqueles fãs ansiosos que o disco chegasse às lojas e que correram às lojas. Vendemos bem, entrámos em sexto lugar na tabela de discos mais vendidos, ficámos muito contentes. O “feedback” em relação às canções novas já tínhamos tido antes dele chegar as lojas porque fizémos uma pré-temporada de concertos. Sentimos que as pessoas as recebiam com enorme curiosidade inicial, facilmente se tornaram cúmplices do que se estava a passar no palco e com muita vontade de cantar as canções novas. Por isso, temos a sensação que estas novas canções têm, de facto, um impacto mais imediato.

Quando comparado com o “Rosa Carne”, que era mais intimista?

MA – Acho que o “Rosa Carne” obrigava a ter alguma persistência de quem o ouvisse. Dizíamos mesmo que era um disco bastante calórico, que não era nada “light” para os tempos “light” em que vivemos. Obrigava a que as pessoas ouvissem uma vez e outra e se dispusessem a descobrir o que estava por trás de todas as camadas sónicas, da maneira como os arranjos estavam desenvolvidos. Este é um bocadinho ao contrário: quisémos despi-lo de muitas complicações. Mas acho que depois, ao ouvir-se uma segunda e terceira vez, vai-se descobrindo outras camadas na leitura das letras.

Como o Hélder disse numa entrevista, as letras de Carlos Tê “têm uma carga muito forte”. Como conseguem com determinadas letras retirar-lhes essa carga e imprimirem-lhe um tom leve como aquele que podemos notar no “Cintura”?

Hélder Gonçalves (HG) – Elas têm uma carga forte, não quer dizer que seja pesada, no sentido de ser muito séria. Os textos dos autores são muito bons, mas, na realidade, só os textos não são canções. As pessoas não as levariam para casa, não ficariam tão emocionadas a ouvir ou não se sentiam tão bem dispostas. Isso depende muito de como se pega nas músicas, como é que se compõe, como é que se canta, como é que se interpreta, que expressão é que vamos dar. Essa é a nossa luta, é esse jogo que faz nós sermos o que somos.

Também já foi referido que o “Rosa Carne” vos poderá ter libertado da pressão habitual e permitiu o tom descontraído do novo disco. Sentem necessidade dessa libertação estética?

MA – [Risos] Não, as coisas não são assim tão calculadas. O que o “Rosa Carne” nos trouxe foi libertar-nos de alguma expectativa, de alguma previsibilidade em relação àquilo a que a gente fizesse. O que aconteceu até ao “Rosa Carne”, foi que nós com o “Lustro” impusémo-nos como uma banda que faz canções que ficam no património dos clássicos da canção nacional. O “O sopro do coração” ganhou uma notoriedade muito grande… Foi um disco que teve muitas canções que ficaram muito famosas como o “Dançar na Corda Bamba”, “H2omem”, “Fahrenheit”, “O Lado Esquerdo”.

De repente, parecia que nós íamos por um caminho mais ou menos previsível. O facto de termos aparecido com um trabalho tão diferente como foi o “Rosa Carne” tornou evidente que os Clã fazem os discos que lhes apetece fazer, que têm urgência em fazer.

E, por mais que este disco apareça com este ar fresco e leve, de aventura e de espírito aberto, foi doloroso fazê-lo, foi sofrido. Tivémos de descobrir em nós as capacidades para nos despirmos dessas coisas todas, desses artifícios todos e nos tornarmos mais leves. Isso foi complicado e acho que ainda estamos no início, ainda temos de aprender mais sobre essa leveza. (risos)

Se tivessem de ressuscitar um poeta português para compor uma letra, qual escolhiam?

HG – Poesia é tão diferente de letras de canções… É outro universo, é uma coisa muito diferente mesmo. Só poderíamos responder a isso se víssemos letras de canções escritas por esses poetas.

MA – Normalmente é muito difícil um poema tornar-se uma boa letra de canção. A poesia já é uma canção por si, já tem o ritmo e música toda lá dentro. Não sei consigo imaginar Fernando Pessoa, por exemplo, cantado. E já ouvi outros poetas cantados, como a Florbela Espanca, e não gostei muito.