Jovens e toxicodependentes. É cada vez mais este o retrato dos sem abrigo do Porto, segundo os voluntários da Legião da Boa Vontade (LBV) que lidam de perto com eles. A maioria está na rua por causa das drogas e muitos dos que tiveram outros motivos acabam por se tornar também dependentes delas.

“Viveram tantos anos naquela vida que é confusão entrar noutra rotina”

Pedro Alves, de 22 anos, é chefe de equipa na ronda de apoio aos sem-abrigo e dedica-se de corpo e alma a este serviço desde os 14 anos. Conclui que, há alguns anos atrás, o “típico sem abrigo que dormia nas entradas” era vítima da pobreza ou de um infortúnio na vida ao qual não conseguiu dar a volta. “Hoje em dia”, lamenta, “tem vindo a aumentar o número de toxicodependentes, principalmente rapazes novos. É o que se vê mais”.

Muitos desses toxicodependentes vêm, segundo o voluntário, do sul do país, por causa de problemas familiares. “Fogem das cidades deles, refugiam-se na nossa, porque assim ninguém os chateia, ninguém anda a procura deles… Acabam por aí num canto, é a realidade”, diz Pedro Alves.

Problema não é a falta de apoios

Para além da LBV, há outras que também fazem rondas nocturnas, e casas de reinserção social. No entanto, Pedro Alves nota pouco esforço da parte dos sem abrigo para mudar de vida. “Eles viveram tantos anos naquela vida que é confusão entrar noutra rotina, ter um emprego, uma casa, responsabilidade. Tenho-me apercebido que eles vão para aquelas casas, estão lá um mês, dois, e, quando estão a ficar porreiros, voltam a meter-se na droga, são expulsos e volta tudo ao mesmo”.

A falta de vontade, de objectivos e de laços familiares como apoio são as principais razões para a desistência da integração numa vida social activa, aponta.

Mais do que confidentes

Tal como outros voluntários, Pedro Alves acaba por ser ouvinte, muitas vezes, de histórias às quais não consegue ficar indiferente. “Já ouvi histórias em que pude intervir e ajudá-los”, conta o chefe de equipa da LBV.

“Foi o caso de um casal que estava a viver à porta do tribunal. Eram de Évora, vieram para o Porto à procura de emprego e foi-lhes fechada a porta. Ela estava grávida, e, quando eu soube da situação, tratei de saber se tinham ajuda lá. No dia seguinte, comprei-lhes os bilhetes de autocarro e mandei-os para casa”, recorda.

É inevitável não misturarem sistematicamente os problemas dos mendigos com a vida pessoal, o que pode ser saudável, mas também difícil. Pedro confessa que inicialmente não conseguia comprar peças de roupa mais caras porque pensava que havia pessoas que “nem sequer tinham aquele dinheiro para comer”.

Relação evita perigo para voluntários

Uma das principais dificuldades de quem dorme na rua é a solidão que enfrentam diariamente. Por isso, os voluntários da instituição representam uma relação de confiança, às vezes única, para os sem-abrigo.

A relação que estes voluntários criam com os sem-abrigo é mais do que de entreajuda. Segundo Pedro Alves, a confiança que já têm traz também segurança aos voluntários e faz com que algumas palavras mais bruscas se fiquem por aí. “Eu já tive alguns incidentes durante as rondas, mas nada passou de verbal. Tentamos sempre pôr-nos no lugar deles, damos o desconto.”

A LBV faz as rondas de apoio aos sem-abrigo sextas e sábados à noite, a partir das 21h00, sem hora para terminar.