Numa entrevista afirmou que ser poeta, ao contrário do que dizia Florbela Espanca, é ser mais baixo, viver num estado de insatisfação e consequente descontentamento. É uma pessoa descontente?

Num certo sentido sou. Tenho muitos motivos de alegria, mas não tenho dúvida de que a natureza da arte advém da insatisfação. Digo muitas vezes que um artista satisfeito não existe ou é estúpido. A satisfação é momentânea. No final de um poema sentimos uma súbita realização como se tivéssemos comido bem, mas depois passa e precisamos de voltar a comer.

Quando acontece um poema, já estou no início de outro que ainda não escrevi. Se não fosse assim, o artista parava. Quando isso acontece a sua arte cristalizou. Pode continuar a papaguear-se ou a imitar-se, mas a sua arte acabou.

É uma busca por perfeição?

Todos os artistas são utópicos. Uma definição de arte pode ser isto: eu manusear uma determinada matéria (as palavras) que transmita aos outros o que eu sinto e quero. É uma utopia que se pense que as palavras são absolutas o suficiente para explicar o recôndito, o abstracto de nós.

Afirma que a poesia é um “exercício de solidão”, mas publica. Tem em mente o leitor quando escreve?

Quando eu escrevo não existe alguém concreto na minha cabeça. Existe um leitor que, provavelmente, sou eu próprio, há um desdobramento enquanto escritor e leitor. É importante para eu accionar o meu sentido crítico. Mas há alturas em que uma coisa possa ser escrita para alguém, o que nunca deve retirar a validade do poema. É perigoso que pensemos no leitor enquanto escrevemos.

Por que é que usa exclusivamente aas minúsculas?

Concebo a arte como um espaço de diferença. A mim interessa-me ser diferente, não no sentido de provocar, não no sentido de: “vou fazer isto para ser diferente, porque vou parecer maluquinho”. Não, não é um snobismo, nem um exercício de exibicionismo.

Eu acredito que o papel de um artista é encontrar uma excepção perante a regra instituída, encontrar esse espaço de excepção. Nunca ninguém é original, mas deve ser um bocadinho original, desviante.

Um dos recursos é a formatação do texto, que passa pela ausência de maiúsculas, e quase ausência de pontuação, mas também por uma construção frásica muito inusitada. Há muito na minha construção que não coincide com a gramática ortodoxa. Obrigar o português a ir a um espaço onde ele nunca foi, desde sempre procurei isso, encontrar um espaço onde o português, sendo português, seja meu.

Acha importante um “escritor caminhar no sentido de encontrar a sua voz”. Encontrou a sua?

Sim. O problema agora é não cristalizar, conseguir superar-me, não ficando preso a uma fórmula. Há uma fórmula que se me abriu na cabeça, um método que desenvolvi, mas não quero ficar até aos 80 anos a reproduzir essa descoberta, a contar outras “historinhas” mas da mesma maneira. No que toca à criação pura, já estou num processo descendente. Já subi até onde podia subir, agora vou começar a cair [risos].