Entrevista a Antero Braga- Livreiro "por acidente" - "O livro é aquilo que cada um de nós quiser que seja" - Situação cultural no Porto é "miserável"O que distingue a Lello das outras livrarias? Se se refere a…

O que distingue a Lello das outras livrarias?

Se se refere a livrarias take-away, tipo Fnac ou Bertrand, isso nós não somos. Somos uma livraria tradicional que tem qualquer coisa como 120 mil títulos disponíveis aos clientes, enquanto o outro tipo de espaços de venda de livros tem um número reduzido de títulos, tem aquilo que é a venda do dia-a-dia. Tanto se encontra um livro desses na Fnac como no supermercado. Postos de venda de livros é uma coisa, livrarias há poucas.

O que é uma livraria, então?

É essencialmente um posto de venda que, para além de ter uma multiplicidade de títulos à disposição dos clientes, é capaz de de tudo fazer para conseguir o livro que um cliente procura, seja ele estudante, doutorado ou uma pessoa comum. Por outro lado, uma livraria tem sempre função de dar novas tendências ao mundo. Mesmo as correntes que são menos faladas aparecem nas verdadeiras livrarias e não aparecem em postos de venda.

Quais as razões para a fama internacional da Lello?

Em termos arquitectónicos é, de facto, uma livraria que é considerada a mais bela do mundo. Não lhe posso dizer se é ou não a mais bela do mundo porque eu não conheço o mundo, digo o que escrevem os jornalistas que nos visitam dos cinco continentes. Por outro lado, é referenciada pela multiplicidade de produtos que oferece, o que não é comum. Um jornalista holandês comparou esta livraria a uma mulher muito bonita, por causa da beleza arquitectónica, mas uma mulher com uma grande alma, que é a grande quantidade de livros que tem para oferecer.

Acha que, dado o seu valor cultural, a livraria ganha um estatuto um pouco elitista?

Não procuramos ser elitistas em coisa nenhuma. Como diria Agostinho da Silva, até um bom cozido à portuguesa, desde que bem feito, pode ser um acto de cultura. A nossa forma de estar cá dentro é só uma: é proibido proibir, que é uma frase do Fernando Pessoa. Se entrar nesta livraria ninguém vai ter consigo para lhe perguntar coisa nenhuma. Tem de desfrutar, folhear, verificar se quer. Ao final de dois ou três minutos depois de entrar cá pela primeira vez, vai sentir-se como em casa. Nós só procuramos, com humildade, trabalho e seriedade, servir a cultura.

Por que é que adopta essa posição?

Sabe que ser um entre iguais é para pessoas e empresas vulgares. Podemos ser diferentes e rentáveis, tendo uma outra postura. É mais trabalhoso…

Mas, se calhar, também dá mais prazer…

Pois, porque o prazer não está só em ser rentável. Procuramos ser rentáveis, sermos úteis a sociedade e também termos algum gozo naquilo que fazemos. Mais fácil é qualquer pessoa abrir um grande espaço, colocar lá os livros, tipo take-away. Nós não fazemos igual porque queremos ser rentáveis e também cumprir a função cultural de ser livreiro.