Entrevista a Antero Braga- Livreiro "por acidente"- Livrarias não são apenas "postos de venda" de livros - "O livro é aquilo que cada um de nós quiser que seja"Como vê a situação cultural no Porto? Miserável. …

Como vê a situação cultural no Porto?

Miserável.

Porquê?

Toda a gente tem noção de que, em termos de cultura, tem de se viver de subsídios. Isso é um erro. Nós estamos cá e não fomos ajudados em nada nem pedimos nada a ninguém. A cultura tem de ser uma coisa rentável. É um negócio, não é nenhum mal dizer que a cultura é um negócio. Tem de ter público, tem de poder pagar os seus compromissos com os seus colaboradores.

Tivemos aqui o Porto 2001. A programação era boa, mas não era portuguesa. Quando se faz um Porto 2001 ou uma manifestação dessas, devíamos promover é aquilo que é nosso, em vez de trazer pacotes para Portugal. Se a câmara aglutinasse os espaços da cidade com monumentos, como este [a zona dos Clérigos], tinha de pagar algum dinheiro? Podia ter as segundas-feiras do teatro, as terças do cinema, as quartas da musica, as quintas da poesia, as sextas da dança, os sábados da temática que quisessem do momento, o domingo do lazer.

Imagine que agora vai a Londres, ao Piccadilly. O Piccadilly está todo o dia e toda a noite a funcionar. Se for a Paris, em Saint-Germain-des-Prés, é a mesma coisa.

Sendo um homem dos livros, com certeza já leu muito. O que gosta mais de ler?

Gostava de ter a possibilidade de ler mais, leio o que posso e leio todos os dias. Ler é um vício e vou-lhe contar um pequeno episódio que se passou comigo e vai-se rir. Um dia, perto de 1979, fui a uma feira do livro a Frankfurt. Fiz a mala à pressa e esqueci-me de levar alguma coisa para ler. Mas pensei que levava. Cheguei a Frankfurt às seis da tarde, deixei a mala no hotel e quando regressei fiquei aflitíssimo da vida e pensei “E agora? Não tenho nada para ler, como é?”. O vício é tão grande que eu li a Bíblia em alemão para poder adormecer… E não sei o suficiente de alemão para ler a Bíblia, mas a necessidade física era tão grande, de cansar os olhos… O livro que mais me marcou chama-se “O Fio da Navalha”, de Somerset Maugham, li-o com 15 anos.

Por que é que o marcou?

Porque me abriu horizontes completamente diferentes na forma de ver o mundo e de porque é que estamos cá como seres humanos. Depois disso li tanta coisa que gosto e que é importante, as poesias do Eugénio, as do António Gedeão, versos do Rómulo de Carvalho, do Torga… Hoje em dia gosto do Miguel Sousa Tavares e do Rodrigues dos Santos, do Lobo Antunes. O mais importante é consumir um livro e gostar dele e sentir que ele me pode conduzir a outros caminhos “mais iluminados”, fazer ver a vida de uma forma diferente. Se calhar, de uma forma mais dura, mais realista.

Por que é que se diz um homem da cultura?

Porque a cultura faz parte de mim. Gosto muito dos meus autores, dos meus músicos, dos meus artistas e tive a felicidade de poder comparar, porque viajei durante muitos anos, no percurso profissional. Por isso, quando comparo acabo por ter um certo orgulho em ser português e em gostar daquilo que é meu. Que me perdoem os artistas, para mim são meus, no sentido que gosto deles. Viver a cultura é uma coisa que se sente dia-a-dia no acto mais pequeno. Um acto de cultura é emprestar um livro da biblioteca que tenho em casa.

Alguma vez pensou em ter outra profissão?

Eu nunca pensei em ser livreiro na vida, nem gestor de livrarias, foi por mero acaso. Posso dizer-lhe que tenho a actividade de que gosto, não faço sacrifício para trabalhar e veja lá que ainda me pagam! [risos]