Rui Tavares, historiador e colunista do jornal “Público”, falou com o JPN sobre as tensões que envolvem a situação no Kosovo e o papel da União Europeia (UE).

Em entrevista por escrito, o investigador critica a administração Bush pelas suas políticas iniciais de mandato e sublinha a necessidade da UE acelerar o processo de adesão da Sérvia, medida apontada por vários especialistas como essencial neste momento, para reduzir as possibilidades de conflito naquela zona dos Balcãs.

Para Rui Tavares, a UE não tem de falar a “uma só voz”, desde que a sua posição seja forte o suficiente para se fazer sentir “em torno da União”.

Se a NATO voltar a ganhar força militar e a Rússia for levada a agir, poderemos assistir a uma nova bipolarização do mundo, semelhante à da Guerra Fria?

Como questão geral, creio que já passámos a era da bipolarização. Houve um breve momento de unipolaridade, depois da queda do Muro de Berlim. A presidência de Bush Jr. representou um momento de pânico: a subida ao poder de gente insegura com a possibilidade de a unipolaridade não ser eterna – por causa da escassez energética, do “choque de civilizações” ou do crescimento chinês. A herança neoconservadora em Washington é tão trapalhona que chega a ser cómica: acabaram por erodir o momento unipolar e apressar a emergência de rivais dos EUA que queriam evitar. Já não falo da China ou da União Europeia. A impotência dos EUA perante o Irão e a Venezuela seria inimaginável antes dos neoconservadores.

Pensa que os EUA têm autoridade para exigir que a Sérvia defenda a sua embaixada, depois do que aconteceu na guerra dos Balcãs?

Autoridade é um conceito com muitas declinações. Autoridade moral: depois de os EUA terem bombardeado Belgrado, é possível que alguns sérvios não reconheçam essa autoridade moral. Autoridade jurídica: é evidente que a obrigação de proteger as embaixadas recai sobre o governo sérvio e, caso não a cumpra, pode ser penalizado e obrigado a reparações por faltar a essa sua obrigação. Autoridade pragmática ou poder: os EUA têm meios de retaliação suficiente para castigar o governo sérvio, caso este não proteja a embaixada americana.

Será possível a UE falar a uma só voz sobre o Kosovo?

Já me preocupei mais com esse lugar-comum de a UE ter de falar a uma só voz sobre o que quer que seja. Hoje, acho que esse é mais um lugar-comum que se usa para menorizar a UE do que um problema real. Por que diabo será falar a várias vozes um sintoma de fraqueza? O que mais importa é que a realidade da UE fale com um “vozeirão” bastante potente. Para os estados e futuros estados em torno da União, o que mais lhes interessa é entrar. Para a UE, o que mais interessa é integrar esses países para evitar futuros problemas.

A vitória de Boris Tadic para a presidência da Sérvia favorece um acordo?

Os sérvios parecem cansados do isolacionismo, e com razão. O fim do isolacionismo não quer dizer que deixem de ser nacionalistas ou de gostar do seu país, quer simplesmente dizer que, para o fazerem, não precisam de achar que estão sozinhos contra o mundo.

Pensa que a recente violência pode abalar as relações entre a UE e o Kosovo?

Claro. Por isso mesmo será episódica. Os kosovares já têm mais do que esperariam ter há apenas uma geração. A UE deve fazer-lhes sentir agora que as boas relações dependem do tratamento que a minoria sérvia tiver. O mesmo vale para a Sérvia, embora a Sérvia esteja menos dependente da UE. Por isso mesmo, a UE deve avançar com o envolvimento da Sérvia o mais depressa possível, para ancorar o país à via europeia.