Ibraima Baldé, presidente da associação guineense Uallado Folai, tinha acabado de chegar da mesquita. “Nunca vou deixar de ser muçulmano, mas sou contra esta crença”, revela Ibraima, referindo-se à mutilação genital feminina.

A associação foi fundada em Lisboa para promover a “ajuda mútua entre os guineenses”. Aliás, Uallado Folai significa “com ajuda venceremos”. Por entre outros problemas, tratam da integração de jovens guineenses na sociedade, de casos de violência e, mais recentemente, foi criada uma parceria com a Associação para o Planeamento da Família (APF), para resolver o problema da mutilação genital.

De acordo com um estudo publicado pela psicóloga e voluntária da APF, Yasmine Gonçalves, “a mutilação genital feminina, também conhecida por circuncisão feminina ou excisão, envolve a remoção total ou parcial dos órgãos genitais femininos externos ou outras lesões dos órgãos genitais que provoquem alterações anatómicas, com base em razões culturais ou fins não terapêuticos”.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que entre 110 e 140 milhões de mulheres tenham sido submetidas a este processo e que três milhões estejam em risco de o ser. No entanto, “é ainda um tabu, principalmente no seio da comunidade islâmica”.

“O Islão não tem direito absolutamente nenhum de defender o fanado das mulheres. Isso começou no tempo dos faraós, há 5 mil anos. Nesse tempo nem havia Islão”, lembra Ibraima. “O fanado da mulher, é uma forma de poder sobre a mulher, é uma forma de cativar, castigar e submeter a mulher ao seu marido”, afirma o responsável da organização guineense.

“Uma questão de crença, não de religião”

Os vários nomes

Mutilação Genital Feminina
Corte
Excisão
Sunna
Ñyakaa
Gadba haada
Fanado

Quanto mais desenvolvidos os países, mais igualdade há entre homens e mulheres e, por conseguinte, menos imperam costumes como a da mutilação genital feminina. “A crença veio do Egipto primeiro e depois para baixo, para a Somália, para a Etiópia, para a Nigéria e daí por diante”. “Por falta de conhecimento tomámos isso como parte da religião”, refere o presidente. “Na comunidade islâmica, a mulher nunca tem razão em nada, é a culpada de tudo. No Alcorão há apenas um versículo que fala da mulher”.

Alfabetização pode solucionar

“As nossas famílias já estão a ler. Quando o Senegal, por exemplo, obteve a independência, levou muitos jovens a estudar no estrangeiro e aprender árabe. A maior parte deles voltou e contribui para o desenvolvimento das aldeias”, revela o guineense. A alfabetização “vai ajudar bastante”, porque, diz Ibraima, não é possível viver da mesma forma que se vivia há 1600 anos atrás e deixar persistir crenças “absurdas”.

“Eu não sou obrigado a ‘islamizar’ a minha mulher, o que hoje em dia ainda acontece na comunidade”, explica, acrescentando que é casado com uma mulher portuguesa. “No mundo actual tem de haver tolerância. O que é que o homem faz que a mulher não pode fazer, hoje em dia? Há apenas uma diferença: é que a mulher pode ter filhos”. O presidente da associação diz que a pobreza é a culpada pela ignorância das pessoas.

Portugal é um país de risco

A mutilação genital feminina é realizada em 28 países do continente africano. “Na Guiné, o fanado faz-se a 75% das mulheres”, revela Ibraima. De acordo com a mais recente declaração (em PDF) das agências das Nações Unidas, países como a Guiné-Conacri, Somália ou Egipto têm taxas de prevalência da mutilação genital feminina, entre mulheres dos 15 aos 49 anos, acima dos 95%.

Segundo a OMS, Portugal é considerado um país de risco devido às comunidades de imigrantes, principalmente na zona da Grande Lisboa. “Tenho a certeza que muitas pessoas que vão de férias, fazem [o fanado] lá e voltam à vontade. Aqui não tenho conhecimento”.

Ibraima diz que muitas vezes, apenas se descobre quando as mulheres vão a consultas ou quando dão à luz nos hospitais. “As tradições pegam”, mas “com o desenvolvimento, muitas crenças desapareceram e vão desaparecer”. “Enquanto tiver forças vou lutar contra isto. Até morrer”.