O ditado “entre marido e mulher não se mete a colher” parece começar a ser ultrapassado pela sociedade portuguesa. Hoje em dia, família, amigos ou vizinhos mobilizam-se para enfrentar o problema que se vive em muitas casas.

Na década de 90, em Portugal, de acordo com um estudo mencionado pela vice-presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), Maria José Magalhães, “uma em cada três mulheres era ou tinha sido vítima de violência doméstica”. A activista considera estes números “uma realidade atroz”.

Números da violência doméstica em 2007

– 21.907 vítimas procuraram ajuda na GNR e PSP;
– 14.534 queixas de violência doméstica registadas na APAV;
– 21 mulheres assassinadas e 57 tentativas de homicídio (UMAR)

Maria José Magalhães refere que, apesar da evolução dos últimos anos, a lei actualmente “favorece os agressores”. Segundo a vice-presidente da organização, a revisão do código penal, nomeadamente o fim da prisão preventiva, faz com que as vítimas percam a “confiança de que podem e devem denunciar”.

Para a responsável da UMAR, é “incongruente” pedir às vítimas para denunciarem os seus casos, quando o que “as autoridades fazem é somente chamar a atenção do agressor”. A vítima continua exposta à violência e “a única alternativa que lhe resta é fugir”. Maria José Magalhães considera “ridículo” o facto de terem que ser as vítimas a abandonar a casa, classificando essa situação de “revitimização”.

“Um agressor é sempre um agressor”

Nos estudos desenvolvidos ao longo dos anos, não existe um perfil traçado nem de agressor nem de vítima. São de todas as idades e atingem qualquer estrato económico-social. No entanto, de acordo com palavras da activista, os agressores apresentam comportamentos semelhantes. “Eles acham-se donos delas porque escolheram aquela mulher, seduziram-na e elas têm que fazer o que eles querem”, revela. “A mulher é encarada como um objecto de desejo, um objecto de posse”, acrescenta Maria José Magalhães.

A responsável da UMAR realça que, depois da violência, vem a “chantagem emocional”. Ao “não sei viver sem ti” ou “ninguém te amará tanto como eu”, segue-se a ameaça do “se não és para mim não és para mais ninguém”, exemplifica.

“Um agressor é sempre um agressor. Eles batem, humilham, prendem, fecham à chave, tiram dinheiro, violam”, sublinha a vice-presidente. A vulnerabilidade da vítima perante o agressor deve-se sobretudo ao facto de as mulheres quererem ser perfeitas e, como não o são, “passam a vida a culpabilizar-se”, explica a responsável.

As consequências da violência doméstica afectam mulheres em todo o mundo, independentemente das diferenças culturais, religiosas ou sociais. A longo prazo, uma vítima de violência doméstica pode ter perturbações a nível cognitivo, de concentração e de memória. É o denominado “Síndrome da Mulher Abusada”. “Estas vítimas levarão anos a encontrar o seu equilíbrio e a encontrar-se a si próprias”, conclui Maria José Magalhães.