É no vão de umas escadas que cede a entrevista. Fala apreensiva dos medos que a acompanham há três décadas. Ana, nome fictício, conta que tudo começou quando emigrou para a Venezuela, 15 dias depois de ter casado. “Desconfiava que ele andava a trair-me com uma vizinha. Perguntei-lhe, e a resposta dele foi puxar-me os cabelos e tratar-me mal”, conta.

As promessas de amor eterno rapidamente se transformaram num pesadelo. Ana lembra que a partir daí as suas noites eram passadas “num banco, à espera que ele voltasse” da noite partilhada com outras mulheres.

Para o marido de Ana, porém, a realidade era outra. Houve uma altura em que o companheiro da vítima “teimava” que ela tinha amantes. Razão que usava para justificar o facto de transportar uma faca, que apontava à mulher sempre que esta o confrontava.

A vontade de voltar a Portugal era maior a cada dia que passava. Não voltou. Ficou na Venezuela com a esperança de que o “amanhã fosse melhor”. Três anos depois, quando ganhou coragem de abandonar o lar, o marido ameaçou-a de morte. Com medo, recuou na decisão e foi ficando.

Engravidou, contra a vontade do esposo, e pensou que a vida poderia mudar. Logo percebeu que era tudo ilusão. “Quando o meu filho cresceu e começou a falar, descobriu que o pai tinha uma amante, e a situação foi piorando”, revela.

Esperança de que tudo termine “com a morte”

Os anos foram passando e as melhoras entre o casal não eram visíveis. Por razões burocráticas, tiveram que regressar a Portugal, onde Ana continua a “viver no inferno”.

As agressões decorrem sobretudo em épocas festivas, para “deixar o dia marcado”. O facto de trabalharem em turnos diferentes e de mal se verem afasta a possibilidade de ocorrerem mais situações de violência doméstica. Contudo, quando estão debaixo do mesmo tecto só se sente segura com a presença do filho.

Actualmente, dormem em quartos separados. Ana não sai de casa por “sentir pena” de o deixar sozinho, “porque não tem mais ninguém”. Passados 30 anos desde o começo dos maus-tratos, Ana refere que o esposo “nunca pediu desculpa” e tem esperança que tudo termine “com a morte”. “Só assim ficarei descansada”, frisa.

Nunca o denunciou por medo de represálias, vergonha, necessidade de proteger o filho e receio de ficar sozinha. Estas são razões comuns a todas as vítimas. De acordo com Maria José Magalhães, vice-presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta , as vítimas de violência doméstica “calam-se”. Todas as actividades ficam centralizadas no agressor, que encaram como “todo poderoso” e, consequentemente, “não procuram ajuda”.