Passavam poucos minutos das seis da tarde quando Manoel de Oliveira entrou no Auditório Fernando Távora, na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP). Era o último dos oradores, mas também o mais aguardado. Começou por dizer, antes de de se debruçar sobre a temática do seminário “CinemArchitecture”, que “é como doutor” que iria falar de arquitectura, “de quem nunca percebeu nada de arquitectura”. Manoel de Oliveira é, desde 1988, doutor “Honoris Causa” em arquitectura.

Sem o discurso preparado, pelo menos em papel, Manoel de Oliveira dirigiu-se à plateia e, sem desvalorizar o papel do arquitecto, como fez questão de ressalvar, afirmou que “a arquitectura não é uma arte”. O cineasta, que completa 100 anos em Dezembro, justificou a sua afirmação com base no pressuposto “de que toda a arte não tem utilidade prática”. “E a arquitectura é essencialmente prática”, disse.

Apesar desta diferença, Manoel de Oliveira não deixou de encontrar pontos comuns às duas áreas. O realizador de filmes como “Aniki Bóbó”, “Douro, Faina Fluvial”, entre outros, destacou a personalidade e o processo de criação como características transversais ao cinema e à arquitectura. “Eu costumo fazer a planta do filme em papel e só depois vou para o terreno filmar. Há primeiro um processo teórico antes de se passar para a prática. Penso que será também assim na arquitectura”, afirmou.

Arquitectos nacionais e internacionais expuseram pontos de vistas

O segundo dia do “CinemArchitecture” começou com a intervenção do coordenador do seminário, Luís Urbano. O professor de arquitectura da FAUP mostrou que o que mais o fascina é “a arquitectura criada especificamente para um filme e que, por isso, só existe naquele filme”. “O cinema é o meio ideal para experimentar novas ideias na arquitectura”, acrescentou.

Da Estónia veio Juri Soolep. Arquitecto e professor na Academia de Artes de Tallin, Soolep falou sobre a importância do espaço, quer na arquitectura, quer no cinema. A sua apresentação ficou, no entanto, marcada pela compreensão dos “poderes políticos e existenciais patentes em monumentos”, e deu como exemplo o monumento aos soldados soviéticos na capital da Estónia.

A temática do espaço foi retomada por Abílio Hernandez, professor universitário em Coimbra. “O cinema apropria-se do espaço mas também o constrói”, afirmou. À semelhança de Luís Urbano, Abílio Hernandez destacou a narração da cidade no cinema. “O cinema trabalha lado a lado com o corpo e com a cidade. Uns constroem-se à medida do outro”, disse antes de afirmar que é assim que se vive “a Roma do pós-guerra de Fellini, Milão de Antonioni ou a Cagliari no tempo do Gótico”.

Antes de terminar, Abílio Hernandez citou Jean Baudrillard e resumiu, talvez, toda a ligação arquitectónica e cinematográfica. “A cidade americana parece saída directamente dos seus filmes. E onde está o cinema? Está lá fora. Por toda a parte há cinema, por toda a parte há arquitectura”, concluiu.

João Lopes, crítico de cinema e professor na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, foi outro dos oradores. O seu discurso centrou-se igualmente na importância do espaço e na “construção da narrativa através da câmara”.

O Seminário “CinemArchitecture” terminou esta terça-feira, mas o workshop internacional mantém-se até ao dia 18 de Abril. A próxima edição do “CinemArchitecture” está prevista para Liverpool, como revelou Robert Kronenburg.