O seu nome esteve ligado à Casa da Música desde o início. Que balanço faz destes três anos?

Um balanço muito bom. Para tão poucos anos de vida a Casa da Música já conseguiu ser reconhecida nacional e internacionalmente. Hoje a Casa da Música é uma passagem obrigatória para quem visita o Porto. Muita gente a conhece e os números também dizem isso. Cerca de 1 milhão e duzentas mil pessoas neste três anos passaram pela casa.

Mas mais importante é o facto de a casa e o projecto terem nascido juntos e em articulação, que fez com que quando se abrisse há três anos se tivesse uma ideia bastante clara do que é que se ia fazer lá dentro. E isso parecendo uma coisa óbvia não é muito comum de se encontrar.

O que é que faz a Casa da Música ser diferente das outras salas de espectáculo do Porto?

Eu até diria mais, de muitas outras salas, tanto de cá como lá fora. Não encontrará em muitos sítios um espaço dedicado à música que tenha, por exemplo, as estruturas residentes que nós temos. O facto de elas pertencerem à casa, fazerem parte integrante do todo, o que não encontra em muitos sítios. Noutras salas de espectáculo encontra muitas vezes programações de música clássica nuns espaços, noutros, programações de jazz, noutros espaços programações de rock, nalguns espaços estas várias coisas cruzadas, muitas vezes, só numa lógica comercial de casa de acolhimento. Mas não encontra uma casa onde estas várias áreas são programadas em conjunto e articuladamente e por um mesmo conjunto de pessoas que faz com que ao isto acontecer permita que cada uma respire a sua própria identidade, cada género musical.

É interessante ver que mais espaços começam a ter esta filosofia e até é de certa maneira curioso que, por exemplo, o CCB (Centro Cultural de Belém) tem hoje uma orquestra residente. Outros espaços caminham na mesma filosofia da Casa da Música, uma filosofia democrática e de não haver hierarquias entre músicas mais importantes ou menos importantes.

A Casa da Música trouxe uma nova actividade cultural ao Porto, contaminando de certa forma outros agentes culturais da cidade?

Não sei se assim o fez. Pelo menos veio contribuir para afirmar o Porto ainda mais como uma cidade, um espaço e uma região que tem um potencial muito grande para apostar nas indústrias criativas e na cultura em geral. Como um factor de diferenciação, de identidade, a Casa da Música contribui porque traz muita visibilidade, e com esse impulso que ela dá certamente que muitas outras instituições, maiores e mais pequenas que trabalham na região, têm um estímulo para dizer se o Porto se afirma como espaço da cultura.

Isso foi visível no Porto 2001. Houve um incremento muito grande de eventos e todas as pessoas se perguntavam se haveria público para dar resposta a todos esses eventos e verificou-se que sim. Umas coisas arrastam as outras.

Em 1998 fazia parte da Comissão Instaladora da Casa da Música. Passados 10 anos a imagem que tem desta fundação é a mesma que tinha projectado na altura?

É. Há peças que ainda faltam, há coisas que ainda faltam melhorar, digo sempre que no fundo ainda está tudo por fazer. Até porque a Casa da Música deve ter esta filosofia de que nunca nenhuma solução que ela encontra deve ser pensada como definitiva. Os tempos são cada vez mais rápidos, as coisas mudam cada vez mais depressa. A Casa da Música tem que ter a capacidade de se integrar sempre na actualidade.

Grosso modo, aquilo que tínhamos previsto, falado e pensado, que era importante dar à cidade naquela altura, está lá. Salas de concertos de qualidade, espaço para a orquestra ensaiar, um projecto educativo forte com uma actividade muito intensa e direccionada para a formação de novos públicos, escolas, para pessoas com menos possibilidades, para pessoas mais velhas. Essas missões essenciais estão cumpridas.

1 milhão de pessoas visitaram a Casa da Música neste três anos. No primeiro trimestre deste ano houve um aumento de 30% de visitantes. O público da Casa da Música ainda está a crescer?

Está. E acho que só vai parar de crescer quando nós tivermos todos os eventos esgotados, e isso é uma meta a atingir. Eu tenho sempre algum receio dos números – vivemos numa época onde as estatísticas parecem que são a coisa mais importante. Esta crescente pressão de ter mais lucro, mais audiência é um caminho perigoso porque por si só não acrescenta nada.

Embora os números nos dêem conforto (no sentido de estarem a aumentar as receitas, o que é importante para a própria sustentabilidade do projecto), interessa-me que estes números demonstrem qualidade. A mim é um factor mais importante saber que tenho na Casa da Música públicos muito diversos e satisfeitos com o que lá vêem, e públicos com vontade de voltar. É tão ou mais importante do que o número puro e duro.

Está a preparar a programação para 2009. Quais são as linhas mestras que está a aplicar, as grandes apostas?

São exactamente as mesmas que iniciámos em 2007. Delineamos uma estratégia que vou manter nos três anos (2007, 2008 e 2009). Vamos perceber melhor o que é que os públicos gostam ou não gostam, querem ou não querem, sem com isso fazer cedências fáceis ou ir por soluções fáceis de agradar apenas porque mais pessoas gostam. Não é uma programação evidente aquela que a Casa da Música faz. Não é a programação de topes.

Espero que para o ano possamos iniciar o processo para a constituição de um coro na Casa da Música. Gostaria de acrescentar outras valências ao Clubbing, por exemplo música clássica – seria muito interessante termos numa mesma noite um grupo rock numa sala e um agrupamento a tocar Bach noutra, dando a mesma informalidade aos concertos -, gostaria de podermos ter um serviço de babysitting associado a alguns concertos.

Que balanço faz do Clubbing?

Acreditei sempre que iria funcionar muito bem, e isso até se verificou mais cedo do que o que estava previsto. O Clubbing consegue trazer muita gente de uma faixa etária mais nova. Daqui para a frente vamos programá-lo de modo a torná-lo mais interessante do ponto de vista musical, no sentido de ser cada vez mais um evento essencialmente para ouvir música e não tanto com o espírito que ainda tem. Esse lado actual é importante mas eu gostaria que as pessoas fossem ao Clubbing para ouvirem a música e menos para beber uns copos.

Durante o mandato acha que foi uma peça fulcral na consolidação do projecto?

Terá sido mais na pacificação do projecto. O facto de eu ter feito algumas “guerras“ para a defesa do projecto, fez com que à volta da Casa da Música houvesse sempre uma aura de alguma polémica, de alguma confusão política e de algum atrito. Para além da mais-valia que eventualmente poderei ter trazido à própria melhor organização e definição de uma estratégia da programação, essa questão mais política foi importante.

Esses foram os aspectos menos bons no seu mandato?

Esses aspectos foram bons. Toda a polémica que o projecto gerou, toda a discussão na praça pública fez com que ele fosse muito discutido. Essa discussão tão intensa de muita gente, mais do meio, menos do meio, mais da política ou cidadãos anónimos foi muito saudável.

Anunciou que vai abandonar o cargo por motivos ligados à carreira musical. Há outras causas ligadas ao projecto Casa da Música, com os quais se sente insatisfeito?

Não. Essa é uma decisão essencialmente pessoal. A Casa da Música ocupou-me 10 anos de uma forma muito intensa, essencialmente no tempo mental. Não há dia, não há minuto que eu não pense no projecto. A Casa da Música está no rumo certo e eu gosto mais das coisas que começam do que aquelas que já estão em velocidade de cruzeiro. É uma decisão pessoal, quero mudar de vida de alguma maneira e tinha que sair da Casa da Música para o conseguir fazer.