Quarenta anos depois, é tempo de avaliar a herança que o Maio de 68 deixou, não só à sociedade francesa, mas ao mundo. Os ecos do movimento revolucionário, que pôs em causa o “poder gaullista”, repercutiram-se a nível internacional e chegaram também a Portugal.

No entanto, existem vozes que contestam a validade do movimento estudantil. Durante a campanha eleitoral das presidenciais, o actual presidente francês, Nicolas Sarkozy, afirmou que era necessário “liquidar” a herança do Maio de 68.

Para Vasco de Castro, artista plástico que participou activamente nas movimentações estudantis, o Maio de 68 “alterou o rumo da história”, pois foi o ponto de partida para acontecimentos como a queda do Muro de Berlim.

“Foi nas ruas de Paris que se começou a abrir brechas no Muro de Berlim. As primeiras ideias de contestação que deram alento às pessoas começaram lá. Inspirou, por exemplo, a Primavera de Praga, a queda do sistema ideológico de Leste e, pela primeira vez, falou-se da condição feminina”, considera.

Também Fernando Pereira Marques, exilado político em França, defende que a maior consequência do Maio de 68 foram as transformações sociais que provocou. “Antes do Maio de 68 as raparigas não podiam ir de calças para as aulas. Se fossem tinham de usar saia por cima. Havia a vontade de mudança e isso notou-se na defesa da sexualidade, do estatuto da mulher, das relações entre sexos”, afirma o sociólogo, que assistiu ao eclodir do movimento académico.

Para Fernando Pereira Marques não se deve “circunscrever o sentir e a vontade dos jovens” a slogans como “Imaginação ao poder”. “Os estudantes não eram um bando de anarquistas sem projectos. A nível operário, por exemplo, o movimento provocou o aumento de salários. E possibilitou a participação dos estudantes na vida universitária. A universidade mudou-se em França”, conclui o antigo estudante da Sorbonne.

“As pessoas despiam-se no meio da aula”

A psicanalista Maria Belo chegou a Paris em Setembro de 68. “Respirava-se revolução”, afirma, ao descrever a sociedade francesa após o movimento estudantil. “Houve uma quebra de tabus. As pessoas despiam-se no meio da aula para provocar, começou uma liberdade de costumes,” refere a ex-deputada do Partido Socialista.

“Começou-se a pensar pela própria cabeça, a ter relações mais livres, a intervir mais, mas, por outro lado, nasceu a noção do consumo, da prevalência de um certo ‘parecer’ sobre o ‘ser'”, afirma Maria Belo.

Também a jornalista Diana Andringa defende que o movimento estudantil provocou uma “alteração de mentalidades”. No entanto, a jornalista não acredita que o Maio de 68 tenha alterado o curso da história. “Hoje em dia já não se nota tanto essa influência. Penso que se os ideais da Geração de 60 tivessem vencido teríamos um mundo diferente”, salienta Diana Andringa.

“No Maio de 68 gritava-se: ‘Não queremos ser os capatazes das fábricas’. Hoje procura-se a ligação dos licenciados ao mercado de trabalho. A pessoa não pode ser só rotina”, exemplifica a jornalista.

Andringa vai mais longe ao afirmar que existe uma “tendência para esquecer”: “No Maio de 68 os jovens lutavam, em todo o mundo, por uma sociedade. O legado que o Maio de 68 me deixou foi esta inquietação, esta angústia. E a angústia é algo criativo”, considera a jornalista, que criou um programa de televisão dedicado à “Geração de 60”.