Trabalhadores e estudantes portugueses uniram-se em comité e ocuparam a Casa de Portugal. Movimento académico nunca quis ser um partido.

A sensibilização do operariado para os ideais do movimento estudantil foi uma das faces do Maio de 68. Esse processo teve particular importância no seio dos emigrantes, que tinham medo de sofrer represálias por aderir à greve. Para isso, começaram-se a organizar grupos de ligação entre os estudantes e os operários.

O cartoonista Vasco de Castro, em Paris desde 1961, foi o principal dinamizador do Comité de Ligação Trabalhadores-Estudantes português, inicialmente com sede na própria Sorbonne. “O meu envolvimento foi total. Constituíamos uma espécie de ‘tropas organizadas'”, descreve o artista plástico.

Também Fernando Pereira Marques, então com 20 anos, participou activamente no comité. “Tínhamos como objectivo sensibilizar os emigrantes portugueses, que estavam assustadíssimos”, clarifica o sociólogo.

Na sequência das actividades do grupo e seguindo os exemplos da Grécia e Espanha, o comité procedeu à ocupação da Casa de Portugal na Cité Internationale Universitaire de Paris. “O primeiro território português livre e socialista. Era o que dizíamos. Foi a acção mais espectacular. Ocupámos a casa até ao fim do movimento, a 17 de Junho”, recorda Fernando Pereira Marques.

“Eu era o burocrata de serviço”, brinca Vasco de Castro ao descrever as suas funções no grupo. Foi durante a ocupação da Casa de Portugal que o líder do comité viveu um dos momentos que mais gosta de recordar. “Nesse período um dos residentes era o padre Felicidade Alves, que tinha tido problemas com o cardeal Cerejeira. Mas eu sempre que via um padre pressuponha que era um apoiante do regime. Até que, um dia, ele vem ao meu gabinete com um embrulho e diz-me: ‘Amanhã vou para Lisboa e vou tomar uma posição muito firme em relação ao regime. Tenho aqui uma prenda para si e para os seus camaradas’. Era uma garrafa de Vinho do Porto. Pensei logo, ‘Olha, este padre é dos bons!’”.

Vasco de Castro considera que o comité foi “muito importante para despertar novas energias na esquerda política em Portugal”, graças ao “ataque aos aparelhos de poder pelos académicos” que inspirou o movimento estudantil português.

“Paris demonstrou que as pessoas podiam fazer alterações profundas em termos políticos”, o que, na opinião do artista plástico, garantiu “novas ideias e comportamentos” às gerações de hoje.

Movimento recusou institucionalização

Apesar da criação de Comités de ligação entre trabalhadores e estudantes, Vasco de Castro acredita que nunca houve a intenção de tomar o poder ou formalizar o movimento estudantil. “A dada altura surgiu o grito ‘Vamos ocupar o Eliseu!’ e foi recusado de forma quase unânime. O problema não era esse. Combatia-se por ideias de mudança“, ressalva o então líder do comité português.

Também a escritora Teresa Rita Lopes, então exilada, defende esta ideia. “Na Sorbonne, vi o grupo do Daniel Cohn-Bendit entrar para uma conferência. E perguntaram-lhe se o movimento não se deveria tornar num partido. Ele negou porque acreditava que se houvesse institucionalização, o movimento tomaria outra posição e rumo”.

Para a antiga estudante da Sorbonne frases como “É proibido proibir” demonstram que o movimento era “contra as instituições” e, por isso, “contra os partidos”.