Nas ruas do Porto, o JPN encontrou arrumadores de carros com anos de actividade e que garantem nunca terem passado pelo programa Porto Feliz. Não aceitaram ser entrevistados por vergonha ou desconfiança. Houve até quem exigisse dinheiro em troca da entrevista. Por outro lado, ex-arrumadores que passaram por uma experiência positiva durante o Porto Feliz não hesitaram em contar a história de uma vida.

“Se não fosse o Porto Feliz, a esta hora já não estava aqui”

José Cardoso tem 54 anos. Aos 44, “percalços da vida” levaram-no às drogas. “Provei, gostei e fiquei”, resume. Durante o primeiro mês de consumo de heroína e cocaína descobriu que era portador de HIV, o vírus da SIDA. “Foi quando perdi tudo e hoje nada tenho. Mas, se não fosse o Porto Feliz, a esta hora já não estava aqui”, conta.

O Bairro São João de Deus tornou-se o lar de José Cardoso. Teve conhecimento do programa Porto Feliz através do ARRIMO, um projecto de apoio a toxicodependentes da Fundação Filos, mas “nunca quis ir”, até ao dia em que foi “para o hospital”. Quando regressou, o ARRIMO encaminhou-o para o Centro de Atendimento a Toxicodependentes Oriental. Em Outubro de 2004, José Cardoso dava entrada no Porto Feliz.

Foi para a Casa de Vila Nova, onde passou por um tratamento com metadona. Nunca mais tocou em droga “de espécie nenhuma”, garante. O álcool também ficou para trás. Todos os meses recebia 50 euros. Metade do dinheiro vinha do compromisso de frequentar um centro de dia “para ter o tempo ocupado, para que não andasse na rua nem estivesse só lá parado”.

José Cardoso tirou um curso de informática e retomou os estudos. Quando terminou o Porto Feliz, o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) encaminhou-o para a Assistência Médica Internacional (AMI). Hoje tem o 9º ano. O ex-utente considera que “o Porto Feliz só era mau para quem não queria seguir as regras e não se queria curar, porque quem se quisesse curar, automaticamente tinha lá tudo o necessário”.

Para José Cardoso, o fim do Porto Feliz “foi uma grande perda”. O mesmo para muitos amigos. “Metade dos que se aproveitaram estão na rua outra vez”, a “arrumar carros, a roubar”, conta. Quando o JPN o entrevistou, José Cardoso estava “à espera da reforma”. “Com o HIV e com a hepatite C para onde é que vou trabalhar?”, questiona. Os “bicos de papagaio”, a operação a um rim e a artrose também não ajudam. Ofereceu-se para voluntário da associação A Casa do Caminho, para apoiar os outros como o ajudaram a ele.

“Estava farto daquela vida”

A história de José Cardoso cruza-se com a de outros ex-utentes. “Eu andava a arrumar carros, chegou uma técnica do Porto Feliz, virou-se para mim e perguntou se eu me queria curar”, conta Fernando Salavessa. Como “estava farto daquela vida”, Fernando aceitou e entrou para o Porto Feliz.

Durante 15 dias passou por um “tratamento à base de soro” no Centro Hospitalar Conde Ferreira. Depois foi para a Casa da Bandeira. Para Fernando Salavessa o Porto Feliz “foi um bom projecto”. Antes tinha passado por outros “a frio, sem medicação”, e onde não tinha a “atenção” que o Porto Feliz lhe proporcionou. Graças ao programa conseguiu arranjar um emprego. Hoje o seu lar é a casa de abrigo das Doze Casas, do IDT, morada que divide com vários ex-utentes do Porto Feliz.

Um mês a “fugir” das técnicas

Mais difícil de convencer foi José Osório. “Umas técnicas de reinserção social procuraram-me onde eu costumava arrumar carros”, conta. Mas José Osório não estava interessado no tratamento. Andou “a fugir” das técnicas do Porto Feliz durante um mês, até ao dia em que o “caçaram”. Aos 15 dias no Centro Hospitalar Conde Ferreira seguiu-se o encaminhamento para a Casa do Vale. “Logo no primeiro dia em que saí voltei a consumir”, recorda, mas garante que, depois do tratamento, o consumo de drogas passou a ser esporádico. Na Lipor encontrou um emprego e nas Doze Casas um lar.

“Foi uma pena ter acabado”

Walter Gonçalves soube da existência do Porto Feliz através de utentes do programa. No Centro Hospitalar Conde Ferreira passou por dez dias de internamento. Depois foi para a Casa do Vale, onde começou “a ganhar cor”. “Seis ou sete meses” depois saiu, arranjou trabalho, mas teve uma “recaída”. Voltou a ser internado durante dez dias. Dia 1 de Agosto será o seu primeiro dia num novo emprego, que conseguiu através do IDT. Do Porto Feliz diz que “era um bom programa”. “Foi pena ter acabado”, conclui.

Quando a preguiça é o obstáculo que falta ultrapassar

Os problemas de Carlos Gaspar não eram com a droga, mas com o álcool. Uma situação que o Porto Feliz o ajudou a resolver “em dois anos”. Através do programa conseguiu um contrato de um ano com a Lipor. “Ajudou-me bastante o projecto”, reconhece. Com o fim do Porto Feliz foi para a AMI. Hoje está na casa de abrigo Doze Casas e faz uns “biscates”, ajudando “pessoas idosas”. Na AMI está a retomar os estudos e pretende “tirar o 7º, 8º e 9º” anos. Falta vencer a “preguiça”.

Porto Feliz “foi dos melhores que apareceu”

José Salgado tem uma história um pouco diferente. Veio das ruas de Guimarães e teve conhecimento do Porto Feliz no próprio Centro Hospitalar Conde Ferreira, onde estava internado há cinco meses devido a uma psicose que o acompanha. Depois de entrar no programa, em Junho de 2005, deixou a metadona em dez dias. Teve recaídas, mas contou sempre com o apoio dos técnicos.

Com o fim do Porto Feliz foi para a casa de abrigo Doze Casas. “Se calhar gosto mais de estar aqui porque tem menos regras”, diz, sem deixar de reconhecer que as regras são “importantes”. José Salgado trabalha há ano e meio. Teve a sorte de ver renovado o contrato que conseguiu através do Porto Feliz.

Para José Salgado o programa Porto Feliz “foi dos melhores que apareceu”, embora reconheça que “não funcionava” com algumas pessoas. No Porto Feliz recebia dinheiro e “tinha uma certa liberdade”, o que não aconteceu em programas onde esteve anteriormente, onde “tinha que ler a bíblia” ou “andar a pedir para eles”.