O comunicado da Câmara Municipal do Porto que chegou às redacções para marcarem nas agendas uma conferência de imprensa sobre o Bairro do Aleixo tinha uma palavra que saltava à vista pela sua clareza e simplicidade: solução. “O presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, irá apresentar, uma solução para aquele que é actualmente considerado o bairro mais problemático da cidade do Porto”, lia-se no texto.

“As políticas habitacionais não se resumem à construção de uma casa e à entrega de uma chave”

Contudo, os especialistas ouvidos pelo JPN alertam para a necessidade de se proceder a um plano de realojamento adequado para que a solução não se converta num problema, ou agrave outros existentes. “Parece existir uma relação entre os problemas das cidades e a forma geográfica como se distribuem as pessoas, ou seja, parece ser uma má opção concentrar pessoas de um determinado estatuto social, étnico, o que seja, em territórios restritos”, explica o professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) José Rio Fernandes, que lecciona Geografia Urbana.

“A concentração de pessoas no Aleixo, ou a concentração de pessoas de classe alta na Foz Nova são formas menos adequadas de se viver na cidade. Tudo somado, a minha opinião relativamente ao Aleixo é que a solução para um problema pode voltar a ser um problema”, diz.

“Não podemos ir de demolição em demolição até à vitória final”

O académico Virgílio Borges Pereira, também da FLUP, lembra que “a política de demolir tem sido uma usada, mas nem sempre com o grau de eficácia que se pode esperar”. Para este sociólogo, é uma medida “eficaz no ponto de vista local, na erradicação de um ponto na cidade”, mas salienta que “há muitas dúvidas na sua eficácia a longo prazo, sobretudo se o processo, que é crucial e é frequentemente o mais negligenciado nas nossas políticas habitacionais, de realojamento não for bem feito”.

“Independentemente das convicções políticas que se possam ter sobre esta matéria, as políticas habitacionais não se resumem à construção de uma casa e à entrega de uma chave. Não podem passar apenas por isso. Para serem eficazes precisam de outras medidas que permitam inserções laborais, escolares, etc.”, diz o académico, que actualmente coordena um estudo sobre as políticas de habitação social no Porto desde 1956.

“Não podemos ir de demolição em demolição até à vitória final. Estamos a falar de populações que precisam de uma resposta do Estado e eu não sei se o Estado tem condições para, por artes mágicas, resolver o problema na base das demolições sucessivas. É uma solução que pode resultar, mas não é propriamente uma experiência-piloto”, explica Virgílio Borges Pereira.

Para este sociólogo, a solução poderia passar por “se tentar encontrar um modelo alternativo de habitação social mais coadunado com a cidade existente”. “Isto implica uma aposta deliberada na reabilitação, também para fins sociais. O que temos visto nas cidades europeias é que essa reabilitação para fins sociais não tem sido uma prioridade. Vamos ver o que vão ser as SRU [Sociedades de Reabilitação Urbana], mas tudo indica que não venham a ter essa componente”.

“A magia do curto prazo deveria fazer-nos reflectir sobre os problemas do médio e longo prazo”

Por outro lado, o antigo vereador do Urbanismo Ricardo Figueiredo considera que a demolição pode fazer parte da solução para os bairros problemáticos. “Uma pessoa tem de começar a pensar que no Porto há muito pouco espaço novo para construir e muita coisa que se tem transformado”, salienta. “Demolir um bairro para fazer outro bairro não faz sentido. Agora, demolir os bairros para se fazer cidade, onde coabitam populações de vários níveis sociais é perfeitamente lógico. É preciso é ter coragem”.

A ideia da mistura de pessoas de diferentes estratos sociais e económicos, por vezes até mesmo através de incentivos, é uma que parece poder fazer uma diferença positiva, segundo Rio Fernandes. Todavia, a ideia da Câmara de espalhar a população do Aleixo é criticada por este académico, uma vez que “as pessoas vão ter o ónus de vir do Bairro do Aleixo” e o realojamento deverá ocorrer, maioritariamente, nas zonas mais baratas.

“A Câmara pode estar a reforçar a tendência natural do mercado, que é aumentar as assimetrias dentro da cidade e, portanto, se essas pessoas não vão ser realojadas na Foz, nem em Nevogilde, nem em Lordelo do Ouro, para onde é que elas vão? Vão para a Sé, S. Nicolau, Campanhã, Bonfim, as áreas onde existem casas vazias, mais pobres, problemas sociais diversos”, explica o catedrático da FLUP, concluindo que “vão aumentar o problema da cidade a médio-prazo”. “A magia do curto prazo deveria fazer-nos reflectir sobre os problemas do médio e longo prazo”.

Câmara devia “evitar construção de habitação social no lado oriental da cidade”

Para Rio Fernandes, o fomento da mistura social deve ser incentivado, mas de forma “pensada à escala de toda a cidade”. E dá o exemplo de uma medida específica do programa de acção (em PDF) do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, que entrou em vigor em Setembro de 2007, segundo a qual deve ser fomentado “o cumprimento de objectivos sociais por parte dos promotores imobiliários, nomeadamente através da afectação a habitação social de uma quota-parte da habitação nova ou a reabilitar ou ainda no âmbito de operações integradas de revitalização urbana”.

Ricardo Figueiredo dá o mesmo exemplo: “foi algo que os franceses descobriram há muitos anos. Muitos dos bairros eles demoliram-nos e fizeram acordos com os empreiteiros, numa regra que ainda têm, que é quando constroem um bairro, uma percentagem das habitações são para a habitação de pessoas que não têm possibilidades”.

Rio Fernandes vai mais longe e explica que “devia haver uma politica activa por parte da Câmara Municipal no sentido de evitar a construção de habitação social no lado oriental da cidade e, ao mesmo tempo, fomentar habitação de classe média e vivendas do lado oriental. Pelo contrário, no lado ocidental devia tentar evitar as vivendas, os condomínios fechados e colocar lá famílias de classe baixa. Essa mistura é essencial para a cidade do futuro”.