A decisão está tomada e aprovada. As torres do Bairro do Aleixo serão demolidas até 2013 e a Câmara Municipal do Porto (CMP) irá realojar os mais de 1.300 moradores em vários pontos da cidade, ainda por decidir, sabendo-se que vai haver uma parte que vai voltar ao local de onde veio: a Ribeira.

A Associação de Promoção Social da População do Bairro do Aleixo aguarda o resultado da providência cautelar que interpôs para deter o processo. Em várias ocasiões, os moradores do bairro manifestaram-se junto da CMP para tentar mostrar que têm voz e reivindicar aquilo que não lhes foi concedido previamente: diálogo, de modo a que participassem na decisão.

É uma situação que “raia a indignidade, as pessoas serem tratadas como um objecto que pode ser mudado daqui para ali, sem que lhes seja perguntado nada”

“Não é um bom sinal [que as pessoas não tenham sido ouvidas]”, afirma ao JPN o sociólogo Virgílio Borges Pereira, que está, desde o ano passado, a coordenar um projecto de investigação sobre as políticas de habitação social no Porto ao longo dos últimos 50 anos. O professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) adianta, porém, que “nestas coisas vai-se sempre a tempo de fazer alguma coisa”. “Qualquer solução deste foro – e é uma solução pesada – deve implicar ouvir as populações, que devem ser parte activa das decisões. Seria importante que fossem parte da resolução do problema. Isso parece-me muito importante. É isso que tem sido feito, mas, infelizmente, não entre nós”.

A ideia é partilhada por outros especialistas em matérias de questões sociais. “A minha opinião é que essa decisão só podia ser tomada depois de ouvir a população. E ouvir a população é, em primeiro lugar, ouvir os seus representantes. Uma decisão dessas num país democrático implica um processo democrático que é ouvir quem lá vive”, considera Luís Fernandes, professor na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e autor de múltiplos trabalhos sobre comportamentos sociais no âmbito da cidade.

Rui Rio, aquando da aprovação da decisão em reunião do Executivo, explicou que, apesar de não terem sido ouvidos antes do anúncio da “solução” para o Aleixo, as famílias do bairro iriam ser ouvidas pela CMP no sentido de se saber para que local pretendem ser realojadas.

Para o professor catedrático da FLUP José Rio Fernandes “falar com as pessoas depois das decisões tomadas tem a ver com minimização de estragos, não tem a ver com uma verdadeira participação”. O académico, que dá aulas de Geografia Urbana e de outros temas ligados à cidade e ao urbanismo, critica que as pessoas não sejam “ouvidas à partida, nem na montagem de todo este programa. Quem é ouvido na montagem do programa são os privados, que muito legitimamente têm como objectivo a obtenção de lucro e não a resolução de problemas sociais”.

O pior que se pode fazer

O professor da FLUP, Virgílio Borges Pereira, lembra uma frase que diz que “é espantoso verificar como as coisas não correm tão mal como aquilo que poderiam correr”. Contudo, explica que isso não significa que as autoridades e os próprios moradores sejam desresponsabilizados. “A frase vale o que vale, mas isto não é argumento para desresponsabilizar ninguém. Contudo, é o argumento para responsabilizar as autoridades que são, para todos os efeitos, as entidades responsáveis pela existência destes contextos”. Rio Fernandes destaca a possibilidade de ser o passado português “de brandos costumes” e “de um certo ruralismo” que permitem “que esta bomba não expluda”. E remata: “porque do ponto de vista da nossa política social, temos andado a fazer o pior que se pode fazer”.

Ouvir as famílias é um sinal de que a Câmara “aprendeu”

Por seu lado, Luís Fernandes refere que “se Rui Rio ouvir as famílias como prometeu, mostra que aprendeu com a experiência do Bairro São João de Deus”. “Se a Câmara mostrar que aprendeu é um passo em frente importante que foi dado”, sublinha. Virgílio Borges Pereira explica que este pode ser “um primeiro passo”. Mas ressalta que o mais importante deve ser o processo de realojamento: “se for conduzido a pensar nas pessoas terá consequências novas, ou seja, sobretudo se houver vontade da Câmara, poderia ser encontrado um patamar de entendimento mútuo positivo para as pessoas e para a autarquia”.

A opinião unânime é a de que o ponto fundamental do processo deve ser o realojamento dos moradores e a sua inserção na cidade. “Se o processo do novo realojamento não for bem conduzido, os problemas que existem naquele sitio que vem abaixo vão ser transportados para outros sítios”, diz Virgílio Borges Pereira. Na mesmo tom surgem as declarações de Luís Fernandes: “se este processo de realojamento se verificar de acordo com o que deve ser, haverá as tais conversas caso a caso e encontrar-se-á a melhor solução para cada família ou para cada grupo familiar alargado”.

“Não podemos ter um novo São João de Deus”

“É um processo que tem de ser mediado. Os técnicos da Câmara têm que ouvir as famílias e chegar às melhores conclusões para cada caso. É uma coisa que demora e, porque exige paciência e talento do ponto de vista da negociação social, muitas vezes passa-se por cima e faz-se de qualquer maneira”, lamenta o professor da FPCEUP.

Rio Fernandes pergunta: “como é que se resolvem questões sociais?” De seguida, o professor da FLUP dá a resposta: “de várias maneiras, mas no essencial, os problemas resolvem-se com as pessoas e não em torno de prédios e de ruas. É um aspecto que tem estado muito ausente na nossa Câmara. Parece que os problemas se resolvem dinamitando prédios”.

Luís Fernandes, por seu lado, alerta para os perigos de se levar a cabo um processo semelhante ao do Bairro São João de Deus. “Temos no São João de Deus uma situação que funcionou como um laboratório social em termos de se perceber o que é que acontece numa operação quando é feita de um modo violento: reproduz os problemas. E foi reproduzi-los para o Bairro do Cerco, para a Pasteleira Nova”.

“Não podemos ter um novo São João de Deus. Se tivermos, isso significa que não há respeito pelas populações mais pobres. Não houve respeito no São João de Deus, era bom que houvesse agora”, salienta o académico da FPCEUP. Segundo Luís Fernandes, para os moradores de um bairro que são realojados forçosamente, o impacto sente-se na própria “identidade social”, uma vez que existe uma sensação de pertença ao espaço que ocupam. “Nós quando mudamos de casa é porque optamos fazê-lo. Estas populações que não têm direito a decidir andam um bocado ‘com as calças na mão'”.

Luís Fernandes salienta que é uma situação que “raia a indignidade, as pessoas serem tratadas como um objecto que pode ser mudado daqui para ali, sem que lhes seja perguntado nada”.